Em Portugal, o romance europeu das elites, o dos amanhãs europeus que cantam sempre, acabou. Basta ter visto Freitas e Soares, dois convictos europeístas, ontem na TVI24. Defenderam a necessidade das periferias baterem o pé ao eixo franco-alemão de Merkel e Sarkozy e pugnarem por uma reconfiguração progressista da integração europeia.
Silva Peneda, presidente do conselho económico e social, já tinha sublinhado a necessidade de uma iniciativa diplomática das periferias para fazer face à dominação do centro. Até Santos Silva se junta ao coro, embora o governo nada diga ou faça sobre isto, como bem assinalou o Rui Tavares. O europeísmo crítico ganha terreno aos poucos? Já não era sem tempo. O silêncio de Cavaco, sempre com muito respeitinho em relação aos “mercados” e aos mais poderosos, é revelador. Uma parte da direita está disposta a tudo para impor o seu projecto de regressão socioeconómica à boleia das potências do centro que só pensam em salvar os seus bancos? Manuel Alegre, por sua vez, foi quem introduziu o tema da iniciativa diplomática das periferias na agenda política. Há alternativas. As alternativas na zona euro são claras. O economista Dani Rodrik, que não é um eurocéptico e que tem aplicado o seu trilema da economia política internacional à crise europeia, defende agora que, tudo o resto constante, só nos resta, às periferias, sair do euro. Seria a única forma de se evitar uma austeridade contraproducente, reestruturar a dívida e recuperar a competitividade perdida. Continuo a achar que a saída pelo aprofundamento da integração europeia, corrigindo a sua assimetria, é mais razoável, mas os obstáculos políticos são de monta. Resta saber se ainda há margem para a escolha. Não há tempo a perder. É altura de lutar concertadamente contra uma austeridade e uma especulação que estão a desfazer o projecto europeu.
Publicado por João Rodrigues no Arrastão no dia 15 de Dezembro de 2010