Revista Manifesto • Já saiu o Número 6
Excerto do Editorial
No número anterior da Manifesto, publicado em plena crise pandémica e com as alterações climáticas a assumir redobrada importância, colocou-se a possibilidade de estas questões, entre outras, obrigarem a um questionamento profundo do capitalismo predatório e iníquo que temos e, nessa medida, a desencadear mudanças no modo como nos organizamos económica e socialmente. «Para que nada fique como dantes» era, assim, o tema desse número.
Não foi contudo necessário muito tempo para se constatar que, com um maior controlo da crise pandémica nos países desenvolvidos, graças à vacinação, a consciência da necessidade de mudança se foi desvanecendo, acumulando-se os sinais de gradual regresso ao «velho normal», mesmo que as ameaças – nomeadamente as ambientais, mas não só – tenham continuado a agravar-se.
Mais que impactos circunstanciais e temporários, a crise pandémica veio de facto revelar, e em vários aspetos acentuar, as desigualdades, desequilíbrios e disfuncionalidades com que há muito nos defrontamos, fruto das políticas neoliberais das últimas décadas. Por isso, e na ausência de luta organizada, incluindo no plano político-ideológico, corre-se o risco de que a crise apenas tenha sido um parêntese de expetativas, não abrindo portas às mudanças irreparavelmente necessárias.
Procura-se, sobretudo no dossiê deste número 6 da revista Manifesto, refletir sobre os problemas estruturais e os constrangimentos que a crise pandémica, com os seus impactos económicos e sociais, veio evidenciar, em especial no nosso país, discutindo as possibilidades de transformação e os impasses e resistências que persistem em vários planos, e cujas forças apontam para que possa ficar tudo como dantes.
Lista de Artigos
AS TOUPEIRAS, Teoria Acção Organização
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, «A História tem tempo, nós não temos» (entrevista por Nuno Ramos de Almeida)
CARLOS BRITO, Jorge Sampaio – Audácia e ponderação inseparáveis
CONSTANTINO SAKELLARIDES, «Pôr mais recursos em cima de disfunções aumenta a ineficiência e enfraquece o SNS» (entrevista por José Vítor Malheiros e Manuela Silva)
DIOGO MARTINS, A persistência de uma economia frágil: o que esta «Geringonça» nunca poderia resolver
FRANCISCO FERREIRA, ALEXANDRE JESUS e PEDRO NUNES, Precisamos de um novo aeroporto? Não
FREDERICO PINHEIRO, Precisamos de um novo aeroporto? Sim
GONÇALO LEITE VELHO, Retomamos a (e)missão? Instituições, universidade e pós-Covid-19
JOÃO COSTA, A lupa pandémica no ensino básico e secundário
JOÃO FERRÃO, Preparar as cidades para riscos globais… e além!
JOÃO RODRIGUES e NUNO TELES, Ideologias capitais
JORGE GONÇALVES e FERNANDO NUNES DA SILVA, Entre os extremos, nada! A incessante busca por uma reforma institucional metropolitana
JOSÉ GUSMÃO, Europa e a doutrina da escassez
JOSÉ NEVES, Outubro no país da «Geringonça»: política e história em Portugal
KATIELLE SILVA, DIOGO GASPAR SILVA e JORGE MALHEIROS, Revisitando o dualismo sociodemográfico e económico português: territórios de alta e baixa densidade
LUÍS MENDES, PRR, Habitação e Arrendamento
MARIA MANUELA CRUZEIRO, Eduardo Lourenço – Pensar a política
PAULA CABEÇADAS, «Eu, Daniel Blake» (Ken Loach)
PAULO COIMBRA, Política económica em tempo de confinamento: lições a reter
PAULO PEDROSO, Regressar depressa ao status quo ante? A crise mostrou vulnerabilidades permanentes
RAQUEL RIBEIRO, Cuba: os protestos de 11 de Julho perante a crise económica e política
RENATO MIGUEL DO CARMO, Os invisíveis regimes de precariedade: o direito ao aqui e agora
RICARDO PAES MAMEDE, Não se espere da ‘bazuca’ o tiro que não pode dar
TIAGO MOTA SARAIVA, Construir uma nova geração de mutualismo
APELO, Votos por uma maioria plural de esquerda
A política pós-presidenciais e em tempo de pandemia
Este texto, da autoria de Henrique Sousa, serviu de introdução ao debate do Conselho Geral da Associação Fórum Manifesto de 29 de janeiro de 2021.
Permitam-me duas observações prévias à introdução deste debate que a Direcção da Manifesto me convidou a fazer:
Uma, para saudar o testemunho luminoso da “senhora Maria”, da nossa amiga Isabel do Carmo, sobre a sua experiência de dez dias no hospital de Santa Maria. São testemunhos assim que nos dão forças para resistir e esperança para esta longa e dura caminhada. Recebi hoje muitas manifestações de apreço doutros amigos com quem partilhei e que também divulgaram o texto da Isabel. Bem hajas, querida Isabel. Outra, para saudar comovidamente a aprovação na AR da lei da despenalização da morte assistida, longamente construída de modo cuidado e responsável. Não é ainda o fim do caminho. Mais obstáculos haverá que terão de ser vencidos. Mas é já uma conquista histórica que se inscreve na conquista do direito e da liberdade de viver e morrer com dignidade. Quero por isso saudar os deputados que votaram a lei e homenagear e lembrar o papel pioneiro e decisivo do nosso saudoso amigo João Semedo e de Laura Ferreira dos Santos, fundadora do movimento “Direito a Morrer com Dignidade”, que já partiram. Este é um combate da cidadania que me diz pessoalmente muito e um acontecimento que quero aqui celebrar convosco.
Continuar a ler A política pós-presidenciais e em tempo de pandemiaRevista Manifesto • Já saiu o Número 5
Este número da Manifesto foi inicialmente concebido para se dedicar à crise ambiental. Já então com uma ideia muito clara: a de que as alterações climáticas, e a urgência de respostas, constituíam um sinal inequívoco da necessidade de repensar o nosso modo de vida e como nos organizamos, questionando as formas e as lógicas de um capitalismo globalizado e neoliberal, que se tornou hegemónico com a crescente erosão de freios e contrapesos democráticos na escala nacional.
E surgiu, entretanto, a crise pandémica associada à Covid-19, que perturbou de forma brutal o quotidiano, no plano social, económico e até político e cultural, obrigando à adoção de medidas, até aqui impensáveis, para a enfrentar. No fundo, temos todos a obrigação de saber que a robustez das soluções democráticas – do Serviço Nacional de Saúde à confiança social alimentada pela igualdade cidadã, passando pelas instituições públicas de produção de ciência – são outros tantos mecanismos que fazem a diferença no combate à pandemia. Esta obrigou-nos a distinguir o essencial do acessório, incluindo na produção e no trabalho, superando o relativismo neoliberal, que tinha feito da finança o alfa e ómega da existência. E obrigou também as instituições europeias a suspender regras “estúpidas” no plano orçamental ou do mercado interno sem, no entanto, colocar em causa o primado da finança.
Download da lista de artigos e editorial
Lista de artigos:
ANA BENAVENTE, O meu apoio? Marisa Matias. Porquê? Múltiplas razões
ANA MARGARIDA ESTEVES, Desenvolvimento Regenerativo: Comunidade, resiliência ecológica e economia solidária
ANDRÉ CARMO, A Visão Estratégica de Costa Silva ou, mais uma vez, a crise como oportunidade
CLIVE L. SPASH, A passiva revolução ambiental capitalista
DANIEL OLIVEIRA, Ana Gomes. Nas margens do Rubicão
FRANCISCO FERREIRA (entrevista por Filipa Vala)
FREDERICO FRANCISCO, Os limites físicos do planeta, a tecnologia que nos vai salvar e a injustiça climática
HELOÍSA APOLÓNIA, Desvalorização do Ambiente – Um erro político de custo elevado
HENRIQUE SOUSA, «Poderes sindicais em debate»
ISABEL DO CARMO e JOÃO N. RODRIGUES, O Serviço Nacional de Saúde e a Covid-19
ISABEL MENDES LOPES, JORGE PINTO e CARLOS M. TEIXEIRA, Pós-Covid-19: Um novo paradigma para a mobilidade?
JOANA MANUEL, O João Ferreira tem o meu voto
JOANA VILLAVERDE, «Animals nightmare»
JOÃO RODRIGUES e NUNO TELES, E já só há o Estado a que isto chegou
JOÃO RODRIGUES, Antes e depois do suspiro de alívio
JOÃO SANTOS PEREIRA, Florestas e ambiente
JORGE COSTA, Energia, transição climática e propriedade pública
JOSÉ CASTRO CALDAS, O súbito industrialismo de todos os partidos e as possibilidades de reindustrialização em Portugal
JOSÉ GUSMÃO, Acordo no Conselho Europeu: pensar em grande e omitir detalhes
JOSÉ GUSMÃO, MARISA MATIAS e VICENTE FERREIRA, Verdes Planos
JOSÉ REIS, «Precisamos de um programa de insubmissão» (entrevista por José Vítor Malheiros)
MARGARIDA MARQUES, Desta vez temos uma resposta europeia à crise
MIGUEL VALE DE ALMEIDA, Não são todos iguais
PAULA CABEÇADAS, «Bacurau»
PAULO PEDROSO, A Covid-19 e a desigualdade
ROBERT POLLIN, Defender os Bens Comuns Globais com um Novo Pacto Verde Global
SEBASTIÃO PERNES, «Ondas»
SÉRGIO GODINHO, ZMB
VASCO PAIVA, Agricultura, floresta e desenvolvimento rural
VERA FERREIRA, Justiça na Transição? Rumo à neutralidade carbónica em Portugal
Revista Manifesto • Número 4

Já saiu o nº4 da revista manifesto, pode encontrá-lo em banca ou pode adquiri-lo aqui onde também pode fazer a assinatura e receber a revista em casa. Neste número pode encontrar um dossier sobre “Mais e Melhor Estado”, uma entrevista a José Pacheco Pereira e ainda o portefolio de Egídio Santos, sem esquecer as secções Memória, Estórias, Recensão e Ilustrações.
Fórum de Outono 2018 | Os nós da Geringonça
Auditório da Pousada da Juventude, Parque das Nações, Lisboa
19 e 20 de Outubro
Aproxima-se o final de uma legislatura inédita na democracia portuguesa. Pela primeira vez, e perante a necessidade premente de romper com a devastação causada pela maioria de direita nos anos do «ajustamento», as esquerdas convergem numa solução política que permitiu viabilizar, com o necessário suporte parlamentar, o XXI Governo Constitucional. Um processo que permitiu travar e reverter, nos seus traços essenciais, as lógicas de «empobrecimento competitivo», de desregulação e de retração do papel do Estado e das políticas públicas.
O que pode um país, regressado à «normalidade» e ao qual foi devolvida a esperança através desses entendimentos, esperar das esquerdas na próxima legislatura, seja qual for o modelo de convergência que venha a ser adotado? Como aprofundar a governação à esquerda, para lá da restituição de rendimentos e da reversão das políticas e da recusa da agenda da direita? Como desatar os principais nós que dividem PS, BE, PCP e PEV, em matérias como a Europa, as opções orçamentais, os serviços públicos ou as políticas que respondem aos desafios essenciais que hoje se colocam a Portugal?
PROGRAMA
19 Outubro, Sexta-Feira
18.30 – Conferência de abertura:
- Isabel do Carmo
21h30 – «Este país não é para jovens»
- Ana Drago
- Helena Roseta
- Jorge Malheiros
(moderação: Daniel Oliveira)
20 Outubro, Sábado
10h30 – «Há privado a mais no SNS?»
- João Nunes Rodrigues
- Paulo Fidalgo
- Tiago Correia
(moderação: Margarida Santos)
14h30 – «Para onde vai o dinheiro?»
- Fernando Rocha Andrade
- Ricardo Paes Mamede
- Eugénia Pires
(moderação: José Vítor Malheiros)
17h00 – «O lugar da esquerda nesta Europa»
- José Pacheco Pereira
- Francisco Louçã
- João Rodrigues
(moderação: Sandra Monteiro)
19.00 – Conferência de encerramento:
- Diogo Martins
Apresentação da Revista Manifesto em Vila Franca de Xira
Jantar-debate: Há populismos de esquerda?
Apresentação da revista Manifesto. A inscrição é obrigatória. Aqui
APELO – COLOCAR A REGIONALIZAÇÃO NA AGENDA DA PRÓXIMA LEGISLATURA
Em Portugal, a vida material das sociedades e das economias locais, incluído as urbanas, tornou-se demasiado estreita, está em regressão e o país apresenta-se deslaçado entre si. A administração pública aumentou o seu excesso de centralização e afastou-se cada vez mais do tecido socioeconómico territorial perdendo o sentido da coesão e da eficiência. Não dispomos hoje de um sistema político e de políticas públicas que respondam cabalmente às preocupações que se fazem sentir nas regiões tão diferenciadas que compõem o país e que representam combinações específicas de problemas e opções. Tudo isto ficou bem patente com o drama dos incêndios florestais que assolaram o País em 2017 que puseram a nu a enorme fragilidade do território nacional e da capacidade de resposta da distante administração central.
Na verdade, Portugal tem hoje um esqueleto administrativo territorial de natureza napoleónica, instituído com rasgos visionários pelos primeiros governos liberais há cerca de duzentos anos, quando as circunstâncias históricas, as funções do Estado, o escopo das politicas públicas e os meios tecnológicos que dispúnhamos eram radicalmente diversos do que se verifica nos nossos dias. Depois do 25 de Abril, Portugal enunciou algumas vias para actualizar a sua estrutura administrativa. Desde logo, dotou de legitimidade democrática os concelhos e freguesias – reforma que ainda hoje perdura mas que crescentemente põe a questão dos seus próprios limites como instrumentos de gestão territorial. Por outro lado, inscreveu na sua Constituição a criação, no Continente, de novas unidades administrativas com legitimidade democrática – as Regiões Administrativas. Mas se tal foi plasmado na Constituição, até hoje não foram dados passos decisivos na sua concretização. Pelo contrário, quando Portugal aderiu, a 1 de Janeiro de 1986, a uma Europa fortemente regionalizada, perdeu uma oportunidade para adequar o seu aparelho político-administrativo às melhores práticas de governação territorial. Mais recentemente, quando o memorando de entendimento com a troika previa uma reforma neste campo, bem como uma muito propalada “Reforma do Estado”, o mais que Portugal fez foi agrupar algumas freguesias. Falta, pois, cumprir o mandato constitucional de consagrar no terreno, em obediência ao principio politico da subsidiariedade, e de acordo com os princípios hoje vigentes na União Europeia, Regiões Administrativas com sólida âncora democrática em eleições directas.
O caminho não seria difícil se a consciência do território não se tivesse esvanecido. As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional que o próprio Estado central há muito instituiu e que produziram um estimável know-how, prefiguram a estrutura futura de direcção das regiões, dotada já de importantes recursos humanos que poderiam crescer em função de transferências de competências acompanhadas de iguais reforços de pessoal que está já adstrito ao Estado central. Mas as CCRDs não tiveram meios para articular novas funções que cabiam na sua lógica desconcentrada de actuação e estão hoje diminuídas pelo refluxo centralista que predomina, faltando-lhe o músculo político de que a governação democrática precisa.
O que menos terá transparecido do drama dos incêndios, ofuscado pelo falhanço da estrutura administrativa da protecção civil, é que os territórios em que tiveram lugar, e as circunstâncias em que ocorreram, são reveladores de um modelo económico que tem vindo a ser construído pela periferização constante de amplas áreas do território em função de uma concentração unipolar na grande metrópole da capital. É notório o enfraquecimento das cidades e do sistema urbano, que têm sido elementos activos de estruturação do território, assim como há muito se perdeu o dinamismo industrial de espaços relevantes de um país cuja capacidade produtiva não cresceu ao mesmo ritmo que outros países europeus. Daí o agravamento do fosso entre o nível de desenvolvimento económico, social e cultural das diferentes regiões, o que estatisticamente não oferece dúvidas. É esse modelo – que não encontra vozes suficientemente organizadas que se lhe oponham – que tem vindo a desestruturar o território tradicional fomentando uma crescente perda de competitividade e de coesão de vastas áreas. Afinal, os fogos florestais têm na sua origem sobretudo a perda de relevo económico de porções significativas da propriedade florestal e não na displicência dos seus proprietários. E os exemplos poderiam ser multiplicados. A recente política de austeridade elevou a níveis nunca antes vistos a uma fragilização silenciosa do tecido socioeconómico de base territorial (desde o fecho de inúmeros serviços públicos à diminuição do emprego nos sectores modernos da economia).
Num quadro destes, exigir-se-ia uma elevada consciência territorial de todas as políticas públicas e um papel interveniente do Estado central na reconstituição do território, tão afectado ele está. Valorizamos a política de descentralização para o escalão municipal, acoplada a um programa de incentivos ao chamado “interior”. Mas, ao mesmo tempo, apontamos a sua insuficiência. E repudiamos a sub-valorização de instancias de governação sub-nacional que estão no terreno, com recursos humanos e técnicos de alta valia, mas a que falta uma sólida legitimação democrática que só eleições concedem. Não se dispõe assim da acção pública necessária nem se considera o quadro político-administrativo em que tal operação irá decorrer, antes se assumindo que a actual administração municipal o poderá concretizar. Ora, isso não parece capaz de inverter o ciclo negativo e estruturar adequadamente o território numa perspectiva democrática que dê voz e meios materiais aos portugueses onde quer que vivam, com oportunidades de vida decente.
Neste sentido, os signatários apelam aos partidos candidatos às próximas eleições legislativas para que inscrevam nos seus compromissos eleitorais para a próxima legislatura a reposição na ordem do dia da reforma estrutural do Estado que a Constituição da República consagra como instrumento de coesão territorial – a Regionalização do Continente.
Alguns membros da Manifesto subscrevem este apelo
Apresentação da Revista Manifesto em Sines
Evento no Facebook