Publicado em

É tempo de avançar – uma candidatura cidadã às eleições legislativas de 2015 – Daniel Oliveira

do

Texto do Daniel Oliveira

Hoje, um grupo de mais de 240 cidadão tornou pública uma convocatória para uma convenção, no dia 31 de janeiro. Uma assembleia que fará nascer uma plataforma eleitoral para as eleições legislativas de 2015. O texto da convocatória é curto mas claro nos seus objetivos políticos: mobilizar os cidadãos para que nas próximas eleições não mude apenas o governo. Mude a governação. Uma governação que recuse a austeridade como forma de sair da crise e a passividade como forma de estar na Europa. Que construa um poder democrático que governe para o povo e não seja refém de interesses privados. (leiam a convocatória e a lista de subscritores em baixo). O força cidadã que seja exigente consigo mesma e esteja disposta a fazer parte da solução.

Esta convocatória está aberta à subscrição pública. Aqueles que a subscreverem participarão em igualdade de direitos e deveres na assembleia cidadã que, a 31 de janeiro, definirá, de forma democrática e participada, o que virá a ser esta candidatura. Desde o seu funcionamento às suas linhas programáticas, passando pelos seus candidatos e a sua orientação política. Apesar do apoio expresso e empenhado de várias organizações a esta candidatura (Fórum Manifesto e Livre, que a fizeram nascer, MIC-Porto e Renovação Comunista, que deciriam juntar-se a esta ideia), que contribuirão de formas diversas para o reforçar (o Livre, por exemplo, com o suporte partidário que permite ir a votos num país que não autoriza listas de cidadãos), são os mais de 240 promotores iniciais que se dirigem aos cidadãos. Com o seu nome e em seu nome. E serão todos, esperemos que milhares, a título indidividual e em pé de igualdade, tenham ou não filiação em qualquer organização, que decidirão o que será este movimento de convergência e que o farão funcionar.

Entre os mais de 240 promotores, estão nomes mais e menos conhecidos. Sindicalistas, jornalistas, autarcas, artistas, académicos, estudantes, médicos, bolseiros, activistas sociais, trabalhadores, desempregados, emigrantes. Podem ver a lista completa em baixo. Por facilidade, deixo aqui apenas alguns nomes mais facilmente identificáceis mas nem por isso mais importantes: Ana Drago, Rui Tavares, José Reis, Ricardo Sá Fernandes, Carlos Brito, Boaventura de Sousa Santos, Elísio Estanque, Eugénia Pires, Isabel do Carmo, José Aranda da Silva, Júlio Machado Vaz, Luis Moita, Mário Ruivo, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Ricardo Paes Mamede, Viriato Soromenho-Marques, Alexandra Lucas Coelho, André Gago, André Teodósio, Augusto M Seabra, Bárbara Bulhosa, Pacman, Daniel Oliveira (eu mesmo), Jorge Wemans, José Fanha, José Vítor Malheiros, JP Simões, Luísa Costa Gomes, Mário Laginha, Pilar del Rio, São José Lapa, os autarcas (ou ex-autarcas) Fernando Nunes da Silva, João Afonso, José Manuel Basso, José Manuel Carreira Marques, Manuel Coelho e Manuel Correia Fernandes e os sindicalistas António Avelãs, Florival Lança, Guadalupe Simões e Ulisses Garrido.

Estes são alguns dos nomes que ajudaram a dar um primeiro impulso, num apelo ao país. Mas um movimento de cidadania, ainda mais quando quer ir a votos, só o pode ser quando se implanta na sociedade e é tomado pelos cidadãos, sejam conhecidos ou “anónimos”, como são, uma e outra coisa, os promotores iniciais desta iniciativa. É hoje que tem de começar a mudar a vida política portuguesa. Envolvendo na democracia quem dela está a desistir. É tempo de avançar para acordar o País. Subscreve a Convocatória da Convenção para uma candidatura cidadã às eleições legislativas de 2015. Ajuda a fazer democracia.

PODES SUBSCREVER AQUI: www.tempodeavancar.net

Publicado em

“Vamos criar uma plataforma política de alternativa concreta” – Ana Drago

Ana

Entrevista da Ana Drago ao Expresso

Quatro meses depois de ter abandonado o Bloco de Esquerda Ana Drago aceitou falar ao Expresso. Para dizer que há uma esquerda alternativa disposta à convergência e que o “PS é um parceiro imprescindível para mudar o rumo do país”. No entanto nada está garantido Desde logo porque António Costa teima em “deixar muitas dúvidas por esclarecer e até agora não foi muito claro sobre o que tenciona fazer”. A ex-deputada está de volta à política e às eleições. E garante que não está aqui para criar um grupo de amigos do PS.

Porque demorou tanto tempo para falar?

Porque construir uma resposta que ao mesmo tempo seja capaz de reunir vontades políticas de falar verdade aos portugueses e de estruturar um programa que defenda o fundamental é um processo que demora. Demora tempo e exige persistência.

E já encontrou a plataforma de convergência à esquerda que procurava?

Há leituras comuns da situação política do país que se tornou um pouco paradoxal a esquerda não assume nenhuma vontade de um projeto de governação que responda à situação de emergência que estamos a viver e as forças políticas que querem governar acham possível ir governando ou apresentar se à governação sem dizer nada de concreto sobre os constrangimentos que o país enfrenta. Eu creio que existe um espaço e uma disponibilidade à esquerda por parte de algumas organizações e de muitos cidadãos que exigem uma credibilização da representação democrática. Esse percurso está a ser feito.

O problema é o da finalização. Como se faz essa convergência?

Há possibilidade de criar uma plataforma política de alternativa concreta e com capacidade de influenciar a governação ancorada à esquerda. Essa plataforma irá a eleições nas legislativas de 2015.

E como se chama com quem é que conta como vai surgir?

Neste momento não me cabe a mim dizer mais do que isto.

Isso quer dizer o quê? A Manifesto e o Livre vão juntos a eleições?

Conversámos longamente com o Livre e com pessoas do Manifesto 3D. Essa possibilidade existe.

Nessa convergência cabe o PS?

Claro obviamente.

António Costa vem ao encontro das vossas expectativas?

As primárias mostraram que há uma vontade de mudança do PS. Mas não basta a António Costa apresentar-se como o homem de esquerda do PS ou fazer uma oposição que grita mais alto. Até agora não foi muito claro sobre a proposta política que tem para apresentar ao país.

O que diz no programa para a década é suficiente para o arranque do diálogo à esquerda?

Deixa muitas dúvidas por esclarecer. Temos de começar a discutir como se faz. Como se relança o consumo interno que permita criar algum crescimento económico e ter alguma sustentabilidade das finanças públicas? Como se olha para uma dívida acima dos 130 do PIB? Estas são as questões fundamentais. Não são fáceis. São trágicas. E sobre elas António Costa até agora não foi claro. Não tenho dúvidas de que quero um diálogo à esquerda e com o partido socialista. Mas qualquer entendimento tem de surgir de um programa. Não é útil ao país criarmos um grupo de amigos do PS!

Não tem linhas vermelhas no diálogo com o PS?

Não interessa traçar linhas vermelhas. Importa abrir caminhos verdes. Não se começa uma discussão assim quando o que importa é mobilizamos o país para sustentar um governo que defenda verdadeiramente a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a sustentabilidade da segurança social e um modelo de solidariedade intergeracional.

Como é que velhos inimigos se podem entender. É moldável?

Não gosto da palavra moldável. Fiz oposição aos governos do PS fui combativa face aos governos de Sócrates e tenho orgulho disso. Mas vivemos um contexto diferente. Temos uma relação muitíssimo dura no contexto europeu. O modelo de Estado social está a ser posto em causa. É esta fragmentação do país e do regime que devemos discutir. O PS é neste contexto um parceiro imprescindível. É fundamental contar com o PS. Mas temos de ver se está ou não disponível.

O eleitor não achará que foi a Ana Drago quem mudou?

Sempre defendi mesmo no Bloco a capacidade de criar articulações que defendam na vida real das pessoas modelos de transformação. E continuo a achar exatamente a mesma coisa. O que hoje não podemos escamotear é que existe uma situação de emergência e uma alteração de contexto histórico. E isso é de tal forma importante que se criam compromissos. Não se criam consensos porque não é isso que interessa. Não estamos aqui para pensarmos todos da mesma maneira. Se eu achasse que o PS era a solução para a governação do país votava nele entrava no PS. Não creio. Acho que o PS é um elemento determinante mas não é a resposta única.

Mas se o PS não quiser, pode chegar às legislativas sem convergência nenhuma…

Não vejo utilidade numa convergência para ir às legislativas. O PS tem o seu programa, o seu eleitorado fará a sua estruturação e apresentará uma alternativa ao país. Mas existe um espaço político à esquerda que é diferente do PS e que está disponível para encontrar compromissos em torno de um programa. Não é mais do que isto.

Não haverá coligação pré-eleitoral?

Não vejo interesse nisso. Acho que é preciso testar a força, a legitimidade, a representatividade deste tipo de proposta política que estou a formular. É preciso ver se ela ganha dinâmica política e social. Se tem força eleitoral. A capacidade de criar compromisso e de fazer diálogos dependerá dessa força.

O seu discurso contém uma crítica implícita ao BE e ao PCP…

Compreendo muitíssimo bem o sentido de orientação po lítica em torno de um processo de resistência. Compreendo intelectualmente. Não creio que responda à situação que estamos a viver. Não nos podemos dar ao luxo, quando as coisas pelas quais lutamos se estão a dissolver, de ficar satisfeitos em fazer resistência.

Não teme estar a contribuir para a implosão do BE?

Não creio. O Bloco é um partido com algum enraizamento local, com muita gente ativa disponível, capaz, com o coração do lado certo…

E também em queda eleitoral…

Saí do BE e não me sinto com legitimidade para fazer leituras políticas.

Faz parte dos seus projetos de futuro próximo voltar à Assembleia da República?

Não vejo qualquer interesse em debater isso. É demasiado cedo. Temos de começar a discutir política.

Que também se faz de pessoas…

Claro. Eu estou disponível.

Publicado em

Ana Drago e Daniel Oliveira querem uma nova Esquerda com “força eleitoral”

clubepensadores_franciscosantos

Notícia do Jornalismo Porto Net

O Clube dos Pensadores regressou esta segunda-feira com a presença de Ana Drago e Daniel Oliveira. O debate serviu para a discussão sobre a atual situação da democracia portuguesa e o futuro da Esquerda no contexto político do país.

Ana Drago, antiga dirigente e deputada do Bloco de Esquerda (BE), e Daniel Oliveira, fundador do partido e jornalista, foram os convidados do organizador Joaquim Jorge, no regresso do Clube dos Pensadores, esta segunda-feira, no Hotel Holiday Inn, em Vila Nova de Gaia. A escolha em dose dupla deveu-se à recente desvinculação de ambos do Bloco de Esquerda e consequente integração na Associação Fórum Manifesto.

No debate referiu-se a aproximação do Fórum Manifesto ao Partido Livre, de Rui Tavares, e a um eventual diálogo pós-eleitoral entre uma nova plataforma de Esquerda e o Partido Socialista. A questão das “metas do tratado orçamental” e da “dívida sufocante” mereceram a condenação de Ana Drago e Daniel Oliveira, que temem a destruição do Estado social com as políticas atuais.

Ana Drago defendeu a criação de um movimento conjunto de cidadania para a defesa do país e de a organização de novas formas de participação cívica e politica, com a tradição das do país vizinho. Para a antiga deputada, as negociações que estão a ocorrer entre um conjunto de cidadãos, o Partido Livre e outras organizações são importantes para o aparecimento “de uma Esquerda que esteja disponível para olhar o país e falar com verdade sobre os enormes constrangimentos” com que Portugal se depara.

A organização de forças com capacidade “para alterar o contexto” e a formação de um Governo que promova “uma batalha pela defesa do modelo da nossa democracia” é o caminho que Ana Drago propõe e a força social de que pretende fazer parte.

Precariedade “é a maior doença, não só social, mas política do século XXI”

Daniel Oliveira mencionou a criação de uma plataforma política e de cidadãos com “força eleitoral”, disponível para “condicionar e intervir na governação” de uma forma real e aproximar o Estado dos cidadãos. Uma plataforma que não promova mais cortes na saúde, na educação e nas reformas.

O convidado falou sobre a necessidade de se proteger a democracia face à corrupção, aos interesses privados e aos mercados. Para Daniel Oliveira, é essencial “devolver o poder ao Estado, à política, à democracia”, o que asseguraria uma maior participação cívica e a defesa da atividade do político, que o convidado considera “digna”.

O ex-bloquista debruçou-se, ainda, sobre a relação próxima entre a igualdade e a corrupção. Afirmou que “as sociedades menos corruptas são, geralmente, as sociedades menos desiguais”. Sobre o estado atual do país, Daniel Oliveira considerou fundamental recusar o discurso da inevitabilidade, do medo e da passividade em relação às decisões da Europa, por estar em causa a soberania nacional. Em relação à precariedade no trabalho, o convidado defendeu que esta “é a maior doença, não só social, mas política do século XXI”.

No final do debate, Joaquim Jorge lançou o desafio para que os convidados regressem ao Clube dos Pensadores num futuro próximo, no momento em que ambos se apresentem como candidatos a cargos políticos.

Publicado em

A Nova Esquerda – Entrevista da Ana Drago à RTP2

Entrevista da Ana Drago ao Programa Página 2, da RTP2 – clica aqui.

Ana

“Há uma necessidade de uma proposta política à esquerda que dê resposta já”, em entrevista ao Página 2 da RTP2, ontem à noite.

“Não é realista um Governo de esquerda sem o PS. Eu acho que é preciso falar com o Partido Socialista”.

“Faz falta criar espaços de participação. É nesse sentido que o Fórum Manifesto defende o lançamento de um processo de debate programático à esquerda amplo”

“O que me assusta nesta proposta de redução de deputados de Seguro é uma deriva populista”

Publicado em

Resolução Política aprovada na Assembleia Geral

Fórum Manifesto – Assembleia Geral Extraordinária – 13 de setembro de 2014

  1. Ao longo dos anos, o Fórum Manifesto tem procurado ser um espaço de debate e de intervenção política de muitos que, à esquerda, procuram caminhos de transformação progressista da sociedade portuguesa – alargamento e reforço de direitos sociais e políticos; combate às várias formas de desigualdade; reforço de uma democracia participada. Sempre num espírito de diálogo e abertura, combatendo a cultura de sectarismo que tantas vezes tem dominado a esquerda. Foi com esta cultura de diálogo que, ainda com a denominação de Política XXI, protagonizou uma candidatura europeia plural aberta à participação de muitos independentes; foi nessa perspetiva que contribui para a fundação do Bloco de Esquerda; foi por isso que se bateu sempre dentro do próprio BE; e é movido por esse espírito que tem lançado pontes para novos e mais abrangentes entendimentos à esquerda. Porque na actual situação política, essa vontade de construir diálogos entre diferentes leituras e propostas é ainda mais importante. Esse caminho de abertura e convergência foi, e deve continuar a ser, o caminho do Manifesto.
  1. Portugal vive hoje um tempo político singular na sua recente história democrática. A imposição de uma lógica austeritária a nível europeu tem-se traduzido em Portugal numa política activa de destruição do Estado Social, de interrupção da vertente redistributiva das políticas públicas e de estrangulamento económico. Para a maioria dos portugueses, esta é uma nova experiência da integração europeia, que contrasta profundamente com os quase 30 anos em que as políticas europeias de liberalização vinham acompanhadas de processos de investimento, os quais permitiram a modernização em áreas fundamentais, como as infra-estruturas de transporte ou a educação. Esse tempo – em que a consolidação democrática e a integração europeia pareciam desenrolar-se em simultâneo, deixando um lastro de identidade pró-europeia em amplos segmentos da população – parece ter chegado ao fim. A partir do discurso do sobre-endividamento é agora imposta a ideia de que as políticas públicas de redução das desigualdades e de redistribuição, o investimento público de modernização e os direitos sociais estão “acima das nossas possibilidades”. Ao longo da crise tem ficado demonstrado que esta não foi causada, mas sim amenizada pela estrutura do Estado Social.
  1. Nesse sentido, está hoje em curso uma reconfiguração do regime no qual assentou a construção da democracia em Portugal. A articulação entre liberdades políticas e direitos sociais foi fundamental na legitimação e na inscrição política do regime democrático português, que se corporizou em políticas redistributivas e consagração de direitos sociais, ainda que muitas vezes incompletas ou insuficientes. Mas essa lógica de regime desenhou igualmente uma concepção de sociedade democrática que vai muito para lá do sistema de representação política. É aliás contra essa concepção de democracia alargada como sociedade vocacionada para a justiça social e dignidade dos cidadãos que a política do actual Governo tem esbarrado, nos sucessivos confrontos com a Constituição. Apesar disso, os riscos que pairam sobre o pilar da cidadania social colocam uma urgência nova na criação de resposta políticas que, no actual contexto de forças nacional e europeu, permitam defender a sustentabilidade da democracia social.
  1. Para que tal seja possível entendemos ser necessário criar um espaço político que congregue todos os que, à esquerda da alternância, estão disponíveis para contribuir para uma solução governativa assente na sustentação de uma sociedade democrática em sentido amplo. O que exige ultrapassar duas estratégias na esquerda portuguesa que consideramos politicamente inúteis: a primeira, dos que não vêem possibilidade de acção governativa no actual contexto e que se entrincheiram para resistir até um eventual momento de ruptura; a segunda, até agora prevalecente no PS, dos que entendem que qualquer confronto com a política austeritária da Europa arrisca a desvinculação e o isolamento de Portugal do espaço europeu, e que esse risco é demasiado grande para que essa batalha possa ser tentada, significando na prática que temos de esperar por um “milagre europeu”.
  1. No Manifesto, pelo contrário, pensamos que a urgência de responder ao que está em curso não pode ser menorizada. O espaço político para trilhar este caminho de construção de compromissos de governação é estreito mas existe, e tem que ser construído num diálogo programático que aceite a existência de identidades políticas múltiplas. Nesse sentido, o Manifesto tem procurado um diálogo com outros sectores sociais e actores políticos, nomeadamente com alguns dos promotores do Manifesto 3D e com o Partido Livre, que se revêem neste sentido de urgência de resposta política à situação actual, e que têm igualmente procurado estabelecer diálogos e convergências à esquerda.
  1. Por isso, acreditamos ser necessário colocar em marcha um processo mobilizador de construção programática, que conte com a participação de diferentes sectores e organizações da sociedade portuguesa, em torno de um programa de governação determinado em combater o empobrecimento e o declínio do país para garantir um futuro de dignidade e justiça, e preparado para enfrentar dificílimos desafios e constrangimentos com realismo e determinação. Desafios e constrangimentos políticos, económicos e financeiros, internos e externos, entre os quais têm especial relevância a dependência externa da economia portuguesa, o endividamento e o desfavorável quadro institucional e político da União Europeia.
  1. Este processo, em que o Manifesto se empenhará, deverá culminar na construção de uma ampla plataforma com outros actores políticos e sectores sociais, que permita apresentar aos portugueses, nas próximas eleições de 2015, uma candidatura determinada a participar numa solução de governaçãoque trave o desmantelamento do Estado Social, o desemprego, a emigração, a precarização das relações laborais, a contínua redução de salários e pensões; que impeça o empobrecimento e o progressivo despovoamento do nosso país e que se passa por uma agenda progressista e transformadora.
Publicado em

Manifesto lança desafio para construção de ampla plataforma política

FM grande

A Associação Fórum Manifesto lançou um desafio a outros atores sociais e políticos para a construção de uma ampla plataforma política de debate programático no qual se possa ancorar uma futura governação de esquerda. Este apelo teve já, como momento prévio, o diálogo com independentes que foram promotores do Manifesto 3D e com o Partido Livre.

“Este processo, em que o Manifesto se empenhará, deverá culminar na construção de uma ampla plataforma com outros actores políticos e sectores sociais, que permita apresentar aos portugueses, nas próximas eleições de 2015, uma candidatura determinada a participar numa solução de governação”, segundo a resolução política hoje aprovada na Assembleia Geral Extraordinária.

Os associados do Manifesto pretendem construir uma “agenda progressista e transformadora”.

Para a Associação liderada por Ana Drago, é “necessário colocar em marcha um processo mobilizador de construção programática, que conte com a participação de diferentes sectores e organizações da sociedade portuguesa, em torno de um programa de governação determinado em combater o empobrecimento e o declínio do país para garantir um futuro de dignidade e justiça, e preparado para enfrentar dificílimos desafios e constrangimentos com realismo e determinação”, lê-se.

Durante o encontro foram ainda eleitos os novos corpos sociais da Associação. A sua composição incorpora já inúmeros elementos que promoveram o Manifesto 3D e entretanto aderiram ao Manifesto. A direção executiva será presidida por Ana Drago e contará ainda com Daniel Oliveira, Ricardo Paes Mamede, Nuno Serra e Rogério Moreira. Para além da direção foram eleitos o Conselho Geral, órgão deliberativo entre Assembleia Gerais, o Conselho Fiscal e a Mesa da Assembleia Geral.

O encontro contou com novos associados de todo o país e decorreu hoje na Casa da Imprensa, em Lisboa.

Depois das sessões públicas de Lisboa e Tavira, está agendado para 18 de setembro um novo debate no Porto, com a participação de Ana Drago, Daniel Oliveira, Rui Feijó e Gaspar Martins Pereira, no Café Ceuta e outro em Coimbra, a 25 de setembro.

Publicado em

11 de setembro – Viragem, por Miguel Portas

miguelportas03

Os autores [dos atentados] “são a face terrível do imenso mal-estar que invade o mundo contemporâneo. E sem se ir às causas não haverá como escapar ao ciclo da barbárie”. Texto de Miguel Portas, publicado em Setembro de 2001, após os atentados e que foi incluído no seu livro “E o resto é paisagem” publicado em 2002, e que republicamos.

“Estuporados. Assim estamos, vendo e revendo as imagens. Como foi possível? Foi. Com absoluta precisão militar, convicção e audácia, os símbolos da capital do Império foram atingidos. Não pode nem deve existir um só grama de satisfação, mesmo a mais íntima e indizível. A elevação da barbárie a obra de génio não altera a sua natureza.

Do mesmo modo que o mais fulminante dos genocídios modernos, a bomba de Hiroshima, não encontrou justificação no fim do segundo conflito mundial.

O que aconteceu foi um acto «político» ou uma operação para lá da «política» tal qual ela existe? Foi uma escalada na espiral dessa imensa fractura entre o «mundo ocidental» e o «mundo islâmico» ou, pelo contrário, a antecipação de um novo tempo neste tempo? Convém respirar fundo, contar 1, 2, 3 e raciocinar.

O genocídio não foi cometido por nenhuma das organizações político-militares palestinianas, nem mesmo o Hamas. Para todas, a guerra é o prosseguimento da política por meios militares. Desviar o alvo para o coração da América só alarga a margem de manobra dos tanques israelitas nos territórios da Autoridade Palestiniana.

Líbia e Iraque também não foram. Nenhum dos seus líderes ignoraria o preço da retaliação. Afaste-se portanto a hipótese de um «acto de guerra» e concentremo-nos sobre a possibilidade de um terror fora dos padrões conhecidos. Tenha sido ou não, esta possibilidade é, desde anteontem, admissível para o futuro.

Ao contrário do que sustentam os idiotas que governam os e a Grã-Bretanha – e por extensão o planeta – os autores não são, simplesmente as «trevas» ou o «mal absoluto». Nem os «cães raivosos» de que falava, na Televisão, um popular candidato a idiota. Antes fossem. Antes isto fosse um filme americano, daqueles da guerra-fria e seus sucedâneos anti-terroristas. Acontece que a realidade ultrapassou a mais criativa das ficções. Reflectir e acertar no modo de actuar e por isso urgente e a minha hipótese e’ simples: mais do que o «mal do mundo», os autores – sejam eles Bin Laden, os Talibans, para-militares norte-americanos ou qualquer objecto novo nos universos do terror – são a face terrível do imenso mal-estar que invade o mundo contemporâneo. E sem se ir às causas não haverá como escapar ao ciclo da barbárie.

Compreender não é aceitar nem desculpar. E criar as condições para se acertar.

Admitamos que a tragédia de 1 1 de Setembro encontra na fractura entre Ocidente e Islão a sua causa próxima e no «passanço» a sua convicção. Deixemos de lado o mergulho nos tempos da guerra fria, o papel de Bin Laden no Iémen e depois no Afeganistão. Ou como os aprendizes de feiticeiro da CIA o suportaram e estenderam a boa vontade aos talibans. Ou como a ditadura que impuseram no Afeganistão é seguramente a mais teocrática do planeta e das mais implicadas no tráfico de drogas e armas. Deixemos as mil histórias da História e concentremo-nos no fundamentalismo, o que é estrutural e durável. Para lá dos protagonistas.

Por cá a ideia sobre ele é a de uma imensa irracionalidade. Por cá.

Porque por lá a irracionalidade é uma desesperada busca de sentido num mundo que deixou de fazer sentido.

Ao contrário do que se julga, a globalização não criou apenas novos mercados mundiais, derrubando fronteiras económicas. Esta e a dimensão espacial do fenómeno, à qual corresponde um sistema opaco de poder global onde os milhares de quadros financeiros assassinados nas torres do World Trade Center mandavam bem mais do que uma imensidão de governos democraticamente eleitos. A singularidade desta específica globalização mora na capacidade que revelou, em poucas décadas, de fundir em cada território os tempos passados e os futuros num só tempo – o presente.

O choque civilizacional da operação-tempo e’ incalculável. Todas as certezas passadas, todos os ritmos de vida e poder tradicionais, e até os territórios em que as diferentes comunidades e culturas (con)viviam, foram submetidas a uma violentíssima revolução, intensiva e instantânea pelos padrões do tempo histórico. O terceiro e quarto mundos estão a ser forçados a realizar em 30 ou 40 anos transformações que na Europa levaram séculos e sofrimentos imensos.

No mundo islâmico este processo ocorre sob os escombros de uma civilização outrora esplendorosa. O pior não é, por aqui, o abate dos mercados locais. O pior é que a globalização impôs uma nova mercadoria – um modo de vida – e expropria todos os dias o planeta dos seus diferentes Tempos e Modos de existência. Este novo capitalismo, ao apropriar-se dos tempos do mundo abriu a pior das caixas de pandora, a do desespero. Os passados de glória e o fanatismo religioso são o refúgio dessa imensa perda de poder imaterial, o da identidade.

Ê esta fractura que explica o drama da felicidade dos palestinianos no momento em que receberam a notícia do ataque. Serão eles «cães raivosos»? Não, são homens e mulheres sem lugar neste mundo e sem nada a perder. Homens e mulheres em guerra contra uma ordem que lhes nega o direito a serem, o direito a terem Tempo. Só espanta como o fundamentalismo não ganhou ainda mais adeptos num mundo que encontra na irracionalidade a sua derradeira racionalidade.

Não sei quem deu mais este passo no caminho da barbárie. Só sei que a resposta dos EUA – as guerras das estrelas e as defesas estratosféricas – são inúteis à luz da tragédia de 11 de Setembro. Só sei que a unipolaridade político-militar não conseguiu substituir com vantagem o equilíbrio do terror. E sei que um sistema de defesa colectivo, partilhado e verificável, só fará sentido no contexto de um acordo mínimo entre o Norte e o Sul do planeta para mínimos planetários de justiça social. Se não existir destino para o Sul, o 11 de Setembro entrará na História em vez de ter ficado para a História”.

Texto retirado de www.esquerda.net

Publicado em

“Acredito numa política que é feita na base, no território e no dia-a-dia” – Alberto Melo

Intervenção do Alberto Melo na sessão pública “Por uma Governação Decente”, em Tavira

AlbertoMelo

Nem vale a pena perder aqui tempo a descrever a situação política, económica e social que vivemos em Portugal e que – provocada pelo domínio descontrolado do capital financeiro globalizado – afecta aliás todo o planeta; nuns países, de forma activa e noutros ainda numa maneira larvar. Não é excesso de dramatismo reconhecer que está em risco o futuro das sociedades democráticas e tendencialmente coesas que conhecemos, como estão em perigo os avanços civilizacionais e ainda o delicado equilíbrio ecológico da Biosfera.

Que fazer? Perguntam os milhares, os milhões, que querem recusar a irracionalidade e a injustiça de um sistema que privilegia 1% da população mundial e adopta crescentemente medidas e políticas anti-humanas, anti-vida, em nome dos “supremos desígnios” da acumulação de lucros e de capital e daqueles que o detêm e controlam.

Perante as lições da História, que está pejada de revoluções traídas, já não acredito numa via de conquista do poder para depois transformar o mundo. E não acredito, portanto, numa estratégia leninista de partido de vanguarda, onde se encontram os que conhecem e interpretam os interesses reais do povo, um partido que terá de impor a linha correcta a toda a sociedade, sem olhar a meios nem a valores éticos, e se necessário for contra a vontade do próprio povo.

Vejo a revolução nos resultados – tanto imediatos como longínquos – de uma aposta consciente e abrangente na transformação social, através de movimentos capazes de criar, dentro da própria sociedade que se recusa, espaços, tempos e esferas de acção que prefigurem já esboços de um mundo diferente: são rebeldias em movimento. Em vez do processo outrora defendido de se conquistar o poder para com ele fazer a revolução, parece-me hoje mais oportuno e apropriado promover a revolução aqui e agora, num quotidiano em transformação e em dinâmicas que geram elas próprias poder. Assim, a subversão, o processo de ir minando diariamente os pilares do sistema imposto pelo capital, implantando ao mesmo tempo os gérmens de uma sociedade diferente, ganhará primazia sobre a revolução, como transformação súbita.

John Holloway, no seu livro “Mudar o mundo sem tomar o poder”, sublinha que as estruturas políticas actuais foram moldadas na luta entre o capital e o trabalho assalariado, luta que conduziu ao movimento sindical e aos partidos social-democratas. No entanto, ele recorda-nos que o trabalho assalariado não é a negação do capital, mas sim o seu complemento, quer como factor de produção quer como forma de injectar dinheiro na economia. Recusar uma sociedade dominada pelo capital passa pois pela recusa do trabalho assalariado, do trabalho alienado e, em última instância, pelo papel dominante do dinheiro na economia e na sociedade.

Nos últimos 30 anos, digamos, têm surgido inúmeros movimentos que afirmam a possibilidade de emancipar o trabalho humano do capital, de produzir e de consumir de outra maneira; produzindo e consumindo, não em função da geração de lucro, mas de acordo com as necessidades materiais e imateriais de todas as pessoas. Ao escaparem assim à lógica do lucro, estas experiências estão a abrir frestas no sistema capitalista.

É evidente que quem pretende recusar uma sociedade submetida à ditadura totalitária da finança vive numa situação profundamente contraditória, pois entretanto precisa de vender a sua força de trabalho para sobreviver. E esta contradição dissemina-se à escala planetária: a longo prazo, não há futuro para a Humanidade dentro do capitalismo. Porém, a curto e médio prazo, não parece haver solução para a sociedade e para cada uma das pessoas fora do capitalismo… O que sucederia se amanhã se fechassem completamente as “torneiras do financiamento” para a economia portuguesa?

Há que reconhecer que não temos força suficiente para afrontar e destruir o capitalismo, e que até seria perigoso viver a sua derrocada súbita. Contudo, acredito que temos a força suficiente para ir criando as tais frestas no sistema, através de processos de afirmação de uma cidadania activa, de dinâmicas solidárias de revitalização de territórios e de inclusão de grupos marginalizados, de relações socioeconómicas não monetizadas e não mercantilistas, e que podemos ganhar a força suficiente para as aperfeiçoar, para as consolidar, para as multiplicar e para as interrelacionar em redes.

Acredito, portanto, numa Política que é feita na base, no território e no dia-a-dia. Uma Política de resistência contra a ocupação das nossa vidas e das nossas sociedades pelos donos do dinheiro. Porque resistir é criar espaços de afirmação de um mundo diferente, espaços de melhoria da vida pessoal e cultural, como vias de desenvolvimento social, de expressão cultural e de concretização e aprofundamento da democracia. Espaços em que seja possível viver em pleno acordo com os nossos valores e anseios.

É nestes espaços, nestas práticas, nestas frestas no sistema de dominação que podemos descobrir, de uma forma directa e concreta, que um outro mundo é possível, visando sempre melhorias imediatas, mas sem esquecer que o objectivo final é a transformação global.

Nestes movimentos, a estratégia será de atingir uma situação de deliberação, produção e consumo solidários em que se possa finalmente dispensar o capital financeiro e os seus impactos destruidores e desumanizantes.

Não creio que esta estratégia possa ser arquitectada e implementada como política pública, conduzida por um qualquer governo, seja ele do “Podemos” ou do “Syriza”. Por outro lado, contudo, parece-me essencial que os movimentos e espaços de construção de um mundo alternativo não esqueçam nem desprezem a esfera política.

Para isso, é necessário ganhar constantemente um maior peso social, através de um enorme esforço de organização interna e de negociação permanente com os partidos políticos mais abertos à experimentação social e económica. Embora a perspectiva não seja a de conquistar o poder político, a estratégia adoptada deverá conduzir a uma conquista permanente de poder social, tanto nas esferas locais como a uma escala global. Sempre com os olhos nas estrelas da Utopia, mas com os pés bem assentes na terra e as mãos enterradas na massa…

Publicado em

“O país não aguenta mais punição sobre as pessoas” – José Reis

Intervenção do José Reis na sessão pública “Por uma Governação Decente”

jose reis

Nos últimos anos ficámos a saber até onde pode ir a sanha punitiva da direita e a sua obsessão pelo desequilíbrio das relações sociais em desfavor do trabalho, do bem-estar, dos direitos sociais e dos adquiridos constitucionais no nosso país. Percebemos como o empobrecimento sem limites, a perda de dignidade sem contemplações, a desqualificação das pessoas e das suas vidas, a sujeição desamparada aos interesses dos poderosos podem ser compulsivamente levados por diante, ainda por cima com uma retórica de imperativo incontornável, de caminho único que não se pode discutir.

Nestes tempos obscuros, houve no entanto uma esquerda que soube compreender que isto tudo é insuportável mas que não basta denunciá-lo. Uma esquerda que soube contribuir para definir uma base programática anti-austeridade que é, aliás, uma forma alternativa de governo. Esta esquerda rigorosa, de forte consciência programática, tratou dos temas irrecusáveis de uma governação de esquerda. E compreendeu que quem é capaz de definir princípios de ação é também quem tem de ter a coragem de se envolver em compromissos que permitam dar-lhe realização. De facto, ao contrário de tradições bem conhecidas, que erguem bandeiras programáticas para fazer delas armas de arremesso contra outros que têm de estar no mesmo campo – insistindo assim na bem conhecida prática de cavar trincheiras, em vez de construir pontes – nesta esquerda de que falo quer-se ser, ao mesmo tempo, crítico, alternativo, construtivo, ativo e parte de soluções. É a urgência na recusa do insuportável estado do país que nos determina.

Não é a hora para fazer balanços, mas tudo o que ocorreu no quadro do CDA, aquilo que impulsionou o LIVRE a constituir-se em partido, o que inquietou o fórum Manifesto, o que levou a que o debate sobre a dívida passasse de assunto proibido a questão incontornável do nosso debate público, para só dar estes exemplos, mostra bem quanto o debate à esquerda foi essencial, positivo e renovador. A esquerda que hoje temos não é, pois, a de há 3 ou quatro anos. É uma esquerda dotada de muito mais capacidade para influenciar, agir, empurrar soluções e governar. É uma esquerda de consciência e de ação porque é preciso recuperar a dignidade deste país.

São dois, portanto, os pilares em que assenta o calibre desta esquerda: a consciência programática a que aludi e um empenho genuíno na formação de compromissos de governação nos quais sejam centrais um programa anti-austeridade e um claro confronto com os mecanismos de sujeição que aprofundarão a insuportável situação de pobreza, desqualificação e injustiça em que Portugal se encontra. O que caracteriza esta esquerda, o que tem de a caracterizar permanentemente, é o facto de estes dois aspetos serem ambos verdade. É verdadeira a razão programática que a mobilizou e que é capaz de apresentar, pois ela, sendo uma exigência do estado de necessidade em que nos encontramos, não é uma rebuscada elaboração destinada a ser arremessada contra os que são necessários para que haja alternativa, de modo a que eles a recusem. Mais ainda, ela não servirá para ser refinada até à exaustão e até atingir a perfeição que só os devotos vêem, cumprindo assim a sua finalidade de arma de arremesso. E é igualmente verdadeiro o empenho num compromisso para que a esquerda seja maioritária e governe como esquerda. Quer isto dizer que não se elabora uma base programática para a esquecer no momento de discutir com quem se quer firmar um compromisso. E, do mesmo modo, quer isto dizer que a proposta de compromisso não é apenas uma flor de retórica destinada a dar espaço para que esta esquerda se autocontemple.

É, contudo, claro que manter as duas coisas verdadeiras e juntas é uma tarefa muito difícil. Realizá-la exige um terceiro ponto. Exige um acordo mínimo, que não traia os fundamentos programáticos que esta esquerda construiu e constitua a chave para viabilizar o compromisso. Acho que esse acordo não é difícil de enunciar: na forma de governar, uma aposta clara na democracia, na deliberação política e não na submissão tecnocrática, na luta contra a corrupção e na frontal oposição aos clientelismos partidários a favor de medíocres e desqualificados; na economia, uma séria opção pelo emprego, pelo desenvolvimento e pela qualificação da pessoas e das atividades, contra um país de emigração, baixos salários e trabalho desqualificado (a competitividade dos desgraçados que o governo tem imposto a este país); na política, o respeito pela ordem constitucional em todas as suas dimensões, incluindo obviamente as decisões do Tribunal Constitucional; na sociedade, a luta contra as desigualdades e a recusa da desproteção como modelo de funcionamento social; na Europa, uma luta sem quartel contra o definhamento das instituições europeias, a regulação assimétrica que cavou a profunda clivagem entre centros financeiros e periferias empobrecidas, contra uma incapacidade gritante que não foi capaz de resolver em 2008 uma crise que um genuíno modelo social europeu seria capaz de vencer, mas que a deliberada opção pela punição dos que foram considerados mal comportados transformou numa vertigem recessiva incontrolável; na redefinição da nossa abalada trajetória coletiva, uma discussão sobre a dívida que nos sufoca e a criação de espaço orçamental para que haja capacidade de ação pública a favor da economia – de uma economia qualificada – e da coesão social.

Sabemos hoje o que significa ser-se governado por uma clique reacionária (no exato significado que os eruditos deram à palavra), obcecada por servir a ideologia da direita dos dias de hoje, que já nem conservadora é, para ser apenas serventuária dos interesses dos poderosos. Sabemos também como o país tem sido parasitado por burguesias velhas ou novas sem pudor nem lei, que vilipendia os recursos nacionais, hipoteca o país e se serve despudoradamente do que é público.

O país não aguenta mais punição sobre as pessoas, o trabalho, os direitos sociais. Não aguenta uma política degradada. Não aguenta também a camisa de onzes varas em que foi metido pela regulação liberal dos que desviaram a Europa para um caminho que a dilui numa lógica competitiva mundial dominada pela valorização financeira à custa de tudo e de todos. A esquerda não pode sentar-se a observar, contente consigo mesma mas inútil. Muito menos pode dedicar-se a autodestruir-se. Falámos de convergência desde que isso foi necessário. Falámos de princípios de ação claros ao mesmo tempo que nos empenhámos e estabelecê-los de forma aberta. Continuamos a falar de ação de todos sem excluir ninguém e através de uma carta de princípios útil.

A esquerda de que falo é a que constituiu a sua identidade através do percurso que achei que podia descrever do modo que aqui usei. É a que não exclui o Bloco de Esquerda nem o PCP – e até lhes exige que venham para o campo das soluções – mas também não quer ficar parada, à espera, condicionada pelas suas recusas ou desconfianças. É a que reconhece no PS o partido da esquerda obviamente necessário a uma maioria que governe como esquerda. Mas é a que também sabe como o PS é atravessado por tensões cuja resolução tanto pode ser a chave para que o país seja governado com dignidade como pode ser um passo altamente danoso para a esquerda, para o país, para o próprio PS. É, enfim, a esquerda que não quer isolar ninguém à esquerda mas quer energia. É a que quer discutir com todos estes para que passe a existir o que hoje não está garantido. Acha que é por tudo isto que aqui estamos hoje.

Publicado em

“Há uma estratégia que nos devolve a esperança” – Filipa Vala

Intervenção da Filipa Vala na sessão pública “Por uma Governação Decente”

filipa vala

Começo por dizer que nunca esteve nos meus planos de vida inscrever-me numa associação política.

Mas há uma semana atrás, tornei-me membro da associação fórum manifesto.

Se me tivessem dito que chegaria ao aniversário dos 13 anos do meu doutoramento sem nunca ter tido um contrato de trabalho em Portugal, não acreditaria.

Principalmente não acreditaria se acrescentassem que durante esse período iria estar sempre a trabalhar.

É triste chegar a esta fase da minha carreira e dizer “tenho sorte”. Tenho sorte porque estou a trabalhar e mais sorte tenho porque trabalho no que gosto.

Numa sociedade com 10 milhões de habitantes em que um milhão e meio estão desempregados (isto não são os números oficiais), ter trabalho é uma questão de sorte.

Não é uma questão de excelência, nem de empreendorismo, nem de inovação.

A narrativa da excelência, do empreendorismo e da inovação, aliada à precarização e destruição de postos de trabalho – que já existia, mas se agravou de forma inimaginável com este governo – é uma narrativa de humilhação.

Serve para humilhar os desempregados, pondo neles a responsabilidade da sua situação, fazendo com que acreditem que o lhes falta é excelência, empreendorismo e inovação.

Seve para humilhar candidatos a postos de trabalho obrigando-os a aceitar condições indignas.

Serve para humilhar trabalhadores sob a ameaça de despedimento.

Serve para humilhar pessoas como eu, que sabem que no concurso de bolsa que ganharam, foram eliminados colegas com igual capacidade, talento e motivação.

Pessoas que como eu são obrigadas a dizer “tive sorte”.

E para que serve uma narrativa de humilhação?

A humilhação gera subserviência e desânimo, que são duas condições essenciais para aceitar um discurso de inevitabilidade.

A narrativa da humilhação serve para que acreditemos que é inevitável o desemprego, a precarização, os cortes salariais, os cortes nas pensões, as privatizações, a não renegociação efetiva dos contratos de parceria pública-privada ou de swaps. É tudo inevitável.

A subserviência e o desânimo que decorrem da narrativa de humilhação servem para que aceitemos como inevitáveis o crescimento da desigualdade social e o desmantelamento do Estado Social.

 

Tudo se resume a fazer com que aceitemos a ausência de uma alternativa.

Porque se aceitarmos a ausência de uma alternativa, estará minado, pela raiz, o exercício da democracia.

Se não há alternativa, não vale a pena votar.

Acontece que há alternativa e que sabemos que ela existe.

O trabalho dos vários movimentos sociais e de iniciativas como o Congresso Democrático das Alternativas, ou a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à dívida que reúnem diversas tendências políticas, e o trabalho dos grupos parlamentares da oposição, sobretudo do Bloco de Esquerda e da coligação CDU, mostra que existem políticas alternativas.

Aliás, o trabalho destes movimentos, iniciativas e partidos tem servido para clarificar três coisas:

– que a política em curso não é, ela própria, alternativa nenhuma, na medida em que não cumpre sequer os objetivos e metas que se propõe;

– que a alternativa passa obrigatoriamente por uma reestruturação da dívida;

– que o euro e o pacto orçamental são espartilhos que dificultam a nossa recuperação económica.

Ou seja, o diagnóstico da situação política feito por estes movimentos e iniciativas e grupos da oposição é convergente no essencial.

Julgo que uma convergência tão ampla à esquerda é inédita na nossa democracia.

Mais surpreendente ainda, no que respeita aos grupos parlamentares do Bloco e da CDU, as metas a atingir também são convergentes:

– reverter a taxa de desemprego

– reverter os cortes nos salários e nas pensões

– combater a precariedade

– parar o processo de privatizações

– impedir a negociação de contratos lesadores do erário público e renegociar os que já existem

– promover a transparência, eliminando os conflitos de interesse, no processo de decisão legislativo e governamental

– preservar o Estado Social, assegurando serviços públicos de qualidade em todas as suas vertentes

– reverter a desigualdade social, promovendo uma sociedade socialmente justa e solidária através de uma política fiscal adequada…

são exemplos dessa convergência de metas e objetivos.

Na situação em que nos encontramos, eu esperaria que esta convergência atraísse uma porção significativa do eleitorado para os partidos com assento parlamentar e que se posicionam à esquerda do partido socialista.

Como mostram os resultados das últimas eleições, e apesar da CDU ter reforçado a sua votação, isso não aconteceu.

Isto significa, julgo eu, que para o eleitorado português, o Bloco de Esquerda e o PCP, apesar de proporem uma alternativa política, não constituem uma solução.

E não constituem uma solução porque os decretos-lei que enunciam a alternativa política que estes partidos defendem – e de que precisamos – estão, na sua larguíssima maioria, guardados em gavetas.

Não estão publicados em diário-da-república.

No final da última reunião entre as direções do Bloco e do PCP, João Semedo destacou que o que está em causa não é um arranjo eleitoral.

E citou Jerónimo de Sousa dizendo que cada partido vai na sua bicicleta, mas que a estrada é a mesma e que a bicicleta às vezes tem dois selins.

Foi no dia em que li esta notícia, que decidi inscrever-me na associação fórum manifesto:

Dá-se o caso de eu saber andar de bicicleta.

E, talvez porque vivi muitos anos na Holanda, sei andar numa bicicleta de um só selim, com duas, três e até quatro pessoas.

É verdade que andar de bicicleta neste tipo de formação não é a forma mais confortável de andar de bicicleta.

E também é verdade que andar de bicicleta a dois, três ou quatro, não é fácil:

é um trabalho de cooperação e equilíbrio que requer algum talento.

Mas posso assegurar que quando a situação assim o exige, estas formações em bicicleta são uma solução que permite percorrer distâncias consideráveis e levar toda a gente para casa.

No que respeita a andar de bicicleta, portanto, acho que estou em posição de dizer que faltam algumas competências ao Bloco e ao PCP.

O problema não é o destino, nem a estrada e provavelmente nem sequer será a cooperação e o equilíbrio necessários.

É sobretudo a vontade de tentar chegar, em conjunto, a um destino.

Julgo que foi a expressão clara desta vontade de tentar chegar, em conjunto, a um destino que deu ao Livre os resultados que obteve na sua estreia eleitoral.

Nas circunstâncias em que nos encontramos, em que prosseguem as políticas de empobrecimento e de agravamento da desigualdade, por via da austeridade, a ausência desta vontade de tentar fazer mais do que uma boa oposição, reforça no eleitorado de esquerda o sentimento de inevitabilidade, o sentimento da ausência de alternativa.

A ausência de uma vontade clara de tentar em conjunto reforça no eleitorado de esquerda o sentimento de que estamos condenados ao rotativismo do “centrão”.

Esse sentimento de inevitabilidade, que alimenta a abstenção, constitui a arma mais forte a favor da direita.

É esse sentimento que é preciso derrotar, oferecendo à alternativa política que existe e que é convergente, uma solução que possa constituir governo.

Que mostre que não estamos condenados nem a um governo do bloco central, nem a uma maioria absoluta do Partido Socialista nas próximas eleições.

E há uma estratégia que derrota o sentimento de inevitabilidade e que nos devolve a esperança

É tentar a tal formação alargada em bicicleta.

Todos reconhecemos as enormes dificuldades que isto coloca e que teremos que enfrentar.

É urgente criar uma convergência programática que viabilize os objetivos comuns partilhados pelos partidos, movimentos e iniciativas da esquerda deste país.

Na situação de emergência em que vivemos, tentar esta convergência é uma obrigação de qualquer partido que tome como seus os ideais de abril.