A revista alemã Der Spiegel publicou há dias um interessante artigo sobre Merkel, Sarkozy, e a vontade de protagonismo. O seu título era um pouco cruel – “como manipular os anões políticos da Europa” -; o pior é que não havia como lhe escapar.
O texto é escrito a partir da perspetiva norte-americana, criteriosamente ilustrado com diversos acontecimentos dos últimos meses e pormenorizadamente documentado. (Como é agora evidente, a Der Spiegel recorreu aos célebres “telegramas” da WikiLeaks; mas notemos que estamos a falar dos tolinhos dos jornalistas alemães, que são muitos menos espertos do que os seus homólogos portugueses. Os jornalistas e comentadores portugueses não precisam de analisar estes documentos; eles já sabem tudo, conhecem tudo e estão convencidos – como os fanfarrões nos bares – de que têm tudo debaixo de olho.)
Diz a Der Spiegel: “A competição entre Merkel, Sarkozy e outros significa que se torna fácil para Washington pôr os líderes da União Europeia uns contra os outros”, e continua, “pressões, pedidos, diligências, dividir para reinar – os telegramas permitem ver como lidam os EUA com a Europa”. Quanto à alta-representante Ashton, os telegramas permitem concluir que os americanos a vêem simplesmente como “uma candidata saída de intrigas internas”, o que demonstra que – por isso é tão interessante lê-los – os diplomatas americanos continuam observadores perspicazes.
Uns meses andados, a União Europeia continua presa das decisões desse estranha criatura bicéfala, vaidosa, teimosa, e em última análise irresponsável, que é o par Merkel-Sarkozy. Que eles representem apenas dois países em 27 parece não incomodar ninguém. Mais uma vez, antes da União se reunir esta semana em Bruxelas, os dois encontraram-se em Friburgo e decidiram pelos outros – e, no caso, decidiram mal: matar os eurobonds e o aumento do fundo de estabilização, duas ideias que poderiam salvar o euro.
Continua a não haver quem fale pelos 500 milhões de cidadãos europeus.Eeu já ficaria contente que houvesse alguém a falar pelos 10 milhões de portugueses. Nós até temos um primeiro-ministro – José Sócrates -; a questão é que ele só fala para dentro e não para fora.
Mas não é o único.
Há duas semanas Sócrates e Zapatero encontraram-se numa cidade suíça. Estávamos no pior momento da crise do euro; todos os dias os juros das dívidas portuguesa e espanhola atingiam novos máximos. A Irlanda acabara de ser obrigada a aceitar um resgate. Não poderiam Sócrates e Zapatero, por casualidade do mesmo partido e líderes de países vizinhos que todos viam como sendo os próximos a ir pelo cano, tomar uma posição comum e divulgá-la pela Europa?
Que nada. Sócrates e Zapatero encontraram-se para assistir à decisão sobre onde estaria sediado o campeonato do mundo de futebol. Que, aliás, perderam.
Adianta de muito pouco, realmente, protestar contra o facto de Merkel e Sarkozy mandarem sozinhos – e mal – na União Europeia. Serve para desabafar, aliviar e pouco mais. Do lado de cá temos também o nosso monstrinho bicéfalo, incapaz de marcar a agenda, pôr uma ideia nova em cima da mesa, ou tomar uma posição clara que seja entendida para lá das cordilheiras.
A deriva da União Europeia não é uma fatalidade; é uma resignação.
Publicado por Rui Tavares no Jornal Público no dia 14 de Dezembro de 2010