Pedro Passos Coelho propôs uma revisão da Constituição e de repente toda a gente se pôs a falar do conteúdo dessa revisão. Foi uma semana delirante.
Pedro Passos Coelho é o líder do PSD, evidentemente. Para além disso, não é sequer deputado. O partido dele foi a votos e obteve menos de um terço deles; Passos Coelho nem isso. No entanto, a revisão proposta é “a revisão de Pedro Passos Coelho”. Como?
Claro, qualquer um pode propor uma revisão constitucional. Santana Lopes queria um Senado à italiana, Passos Coelho quer
um Presidente à francesa, Paulo Teixeira Pinto — responsável pelas propostas constitucionais de Passos Coelho — preferiria uma rainha à inglesa.
Perante a salganhada, pergunto: esta revisão é para se fazer ou para se falar? Na atual Assembleia da República, a composição partidária reflete os votos das últimas eleições, em que bem mais de metade dos votos foram à esquerda. Se uma revisão precisa de dois terços dos votos, parece difícil que esta se faça (e muito menos que seja tão à direita como Passos Coelho pretende, mas já lá vamos).
De forma que Passos Coelho, se quer uma revisão constitucional que seja de fazer e não apenas de falar, tem bom remédio. Primeiro trate de ir a votos. Trate de fazer campanha com as suas propostas constitucionais, para saber se as pessoas as apoiam. Depois trate de ser eleito. E depois, com a maioria que tiver, faça a revisão constitucional que discutiu com o eleitorado e que a maioria parlamentar permitir.
Esta proposta de revisão, porém, foi apenas para se falar. E, nesse campo, até resultou. Ela serve propósitos essencialmente táticos. O seu objetivo é marcar agenda e atrair os rivais para um debate sobre o conteúdo ideológico de algumas propostas — e fazer com que elas ganhem a legitimidade que até agora nunca tiveram. Se falarmos agora na abolição do Sistema Nacional de Saúde, conseguiremos pelo menos a sua amputação, e por aí adiante.
Pedro Passos Coelho tem talento político. Sendo o único líder dos partidos parlamentares que nunca foi a votos, é o que melhor tem dominado o debate nos últimos
Ninguém consegue lembrar-se de nenhum problema grave causado pela Constituição? Precisamente por isso, vamos rever a Constituição. Deve ser mais fácil
tempos. A sua tática é falar, falar sempre, e ocupar espaço. Alguma coisa há-de ficar.
Se de hoje para amanhã, Passos Coelho propuser o relançamento do programa espacial português, incluindo uma missão tripulada a Marte, é possível que todos os outros líderes lhe respondam histericamente, que o primeiro- ministro convoque o secretariado nacional do PS, e que os editoriais levem a ideia a sério, concluindo que se deveria pelo menos fazer uma viagem à Lua. No fim ninguém se lembrará de dizer: “Relançar? Mas nós tínhamos algum programa espacial?” Na semana seguinte, um tema novo.
O que me espanta é que os outros líderes vão na cantiga, o que me sugere que estão a precisar de férias.