Um banco suíço decidiu congelar a conta de Julian Assange, o rosto da WikiLeaks, por este não residir no país.
Ou, por outras palavras: está o mundo para acabar.
Um banco suíço (suíço!) não aceita dinheiro de residentes no estrangeiro. Por amor de Zeus, a banca helvética é extraordinariamente cuidadosa com os seus clientes. Se ao menos Assange tivesse – como Isaltino – um sobrinho na Suíça, a coisa ainda poderia ser conversada.
Assim sendo, o banco suíço teve de recusar. E, por uma questão de decoro, foi forçado a publicitar essa recusa.
Ou, por outras palavras, anda aqui um gajo a cansar-se. Mas mas mas afinal o sigilo bancário – mas mas mas afinal os paraísos fiscais. Mas mas mas afinal as contas do Pinochet, mas mas mas afinal o branqueamento de capitais, mas mas mas mas afinal isto era tudo tão difícil. Anda um gajo a preocupar-se, pensando que os bancos suíços guardam a sete chaves os dinheiros de ditadores e barões da droga, genocidas e senhores-da-guerra, milhares de milhões de dólares roubados a chilenos e filipinos e indonésios e angolanos e zairenses ou congoleses – e afinal uma porcaria de 31 mil euros guardados para reagir a um caso de assédio sexual mal amanhado podem ser cativados de um momento para o outro e objeto de um bom comunicado de imprensa para o mundo inteiro.
Ai Suíça, Suíça!
Entretanto, a Visa – e, segundo parece, a Mastercard – proibiu todo o tipo de transferências bancárias para a WikiLeaks. Mas mas mas o mercado livre; mas mas mas as empresas que não aceitam interferência política. E isto sem sequer ter havido uma sentença em tribunal.
Francamente, passei uma vida a evitar teorias da conspiração e equivalências entre democracias e ditaduras. Passei uma vida a dizer “que não era bem assim” a todos os taxistas, e a todos os bêbados em bares, e a todos os paranóicos.
É pena que, no momento em que se revela a nossa verdadeira face, eu não tenha razão.
Já agora. Se eu fosse chanceler alemão e quisesse destruir o euro, e com isso lixar o projeto europeu, sabem o que faria?
Pensando mesmo mesmo
bem, faria exatamente aquilo que Angela Merkel tem feito. De cada vez que a situação do euro acalma, Angela Merkel encarrega-se de matar a esperança. Depois do resgate à Irlanda, Merkel insinuou que ele não seria suficiente. Em pleno ataque a Portugal e à Espanha, anunciou que a paciência da Alemanha se está a esgotar. E agora que o líder da zona euro – Jean-Claude Juncker, um luxemburguês que está longe de ser perdulário – finalmente defende que vai ser preciso unificar a dívida da zona euro, Angela Merkel mata a ideia dos títulos da dívida europeia – basicamente, a única proposta capaz de salvar o euro.
Adicionalmente, Merkel declara que não vale a pena aumentar o fundo de resgate para Portugal e Espanha. Já ouviram falar em “lançar sal na ferida”? É uma expressão inventada para ocasiões destas.
Para quem acha que Portugal depende dos cortes e de Sócrates e de Passos Coelho e da alma nacional e do “medo de existir”, um desafio: vejam o que acontece depois de Merkel falar.
Há aqui alguém que não quer que um problema se resolva.
Publicado por Rui Tavares na edição do Público de dia 8 de Dezembro 2010