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‘Cavaco’

A principal — talvez única — proclamação política de Cavaco Silva para esta campanha foi considerar que Portugal deveria abster-se de comentários sobre a situação política na Europa e a crise do Euro. Segundo ele, tais comentários seriam entendidos como “insultos” pelos investidores internacionais e deixar-nos-iam à mercê da retaliações destes — com juros mais altos sobre a nossa dívida.
Silêncio contra segurança — eis o que nos propõe Cavaco.
Esta não é só uma atitude calculista e timorata. É também politicamente ignorante ou — pior ainda — de má-fé, ao promover a ignorância política sobre o que se passa fora das nossas fronteiras. Portugal precisa — e nos próximos meses mais ainda — de ser representado por quem tenha coragem, clareza, e vontade de se fazer ouvir. Não há neste momento assunto mais importante do que a crise do euro e, nesse assunto, Cavaco está profundamente errado. Portugal não pode limitar-se a comer e calar; ou a aceitar as pressões para recorrer ao FMI (com que a França e Alemanha tentam, somente, evitar que o contágio chegue à Espanha). Portugal precisa de alguém que, dentro e fora de fronteiras, explique que este estado de coisas põe em causa a União Europeia, fazendo de nós vítimas pelo caminho.
Cavaco, pela sua própria admissão, não é essa pessoa. E por isso não o deveríamos reconduzir em funções.
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Esta é a principal razão política; mas a campanha também tem revelado, nas suas atitudes, este mesmo Cavaco subserviente perante o poder quando não o tem e arrogante perante os outros quando o tem.
A sua fuga ao assunto das ações de favor do BPN foi especialmente reveladora destes traços de caráter. Cavaco deixa cair tudo e todos na lama desde que ele não se suje. Alegou que não era responsável por aquilo que ministros seus fizeram vinte anos depois. Mas esqueceu-se de que Oliveira Costa foi elemento da sua comissão de honra já depois de lhe ter vendido abaixo de preço as ditas ações — e já quando o BPN tinha levantado suspeitas de gestão danosa, patentes na imprensa da época e bem conhecidas do meio.
Depois deste primeiro estratagema de fuga, Cavaco tentou lançar a dúvida sobre a atual direção do BPN, esquecendo que foi a anterior — cheia do seu pessoal político — que deixou ao país um buraco de 5,5 mil milhões de euros onde caberiam o novo aeroporto inteiro e mais dinheiro do que seria necessário para fazer o TGV. Talvez sem esse buraco os investidores internacionais que tanto o preocupam deixassem o país mais descansado.
Nada disto preocupou Cavaco quando aceitou favores do BPN. Nem fez perguntas. Talvez não quisesse “insultar” os investidores que tão pressurosamente lhe davam 140% de lucro.
Para coroar o desplante, deu esta resposta: “costumo dizer que quem quiser ser mais honesto do que eu tem de nascer duas vezes”. Uma frase que define Cavaco. Comprá-lo por aquilo que ele vale e vendê-lo pelo que ele pensa que vale deve dar mais do que 140% de lucro.

Publicado por Rui Tavares no Jornal Público no dia 10 de Janeiro de 2011