Dizer que Cavaco é menos sério do que ele pensa parecer é falhar o alvo por baixo. Cavaco é, como revelado pelas últimas semanas, ainda menos sério do que aquilo que eu pensava que ele era — e Cavaco nunca me enganou.
Os casos do BPN e da casa na Urbanização da Coelha já são suficientemente graves. Em qualquer país do mundo estes casos seriam escrutinados até ao fim. O BPN, em particular, arrisca-se a custar ao país aquilo que cada cidadãos tem de sacrificar através de dolorosos cortes nos salários e aumentos de impostos. Não me parece que se possa dispensar de explicações qualquer pessoa que tenha tido com este banco, sem pestanejar, lucros que estão para lá dos mais deliciosos sonhos dos clientes de Madoff.
Mas as respostas de Cavaco tornam estes casos graves noutro plano ainda. No caso da Urbanização da Coelha, Cavaco alega não se lembrar de onde assinou a escritura, provavelmente não se lembrará também de ter como vizinhos Oliveira Costa e Fernando Fantasia, e um dia destes não se lembrará de alguma vez ter passado férias na tal casa.
E isto sem contar com outros episódios da campanha — como o de dizer a uma eleitora desesperada que recorresse a qualquer instituição de solidariedade desde que não fosse do Estado —; a interpretação inevitável é que Cavaco começou a usar a estratégia de alegar inconsciência. Inconsciência do seu lado e do lado dos eleitores. Como notou recentemente Ana Sá Lopes, Cavaco está — quase sempre de forma extraordinariamente transparente — a fazer dos eleitores parvos.
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Eu só vejo uma maneira de lidar com uma pessoa que está a contar com a nossa estupidez. É, no mínimo — no verdadeiramente mínimo dos mínimos — fazê-lo passar por um mau bocado.
Este Cavaco que fala das outras pessoas dizendo que “para serem tão honestas quanto eu teriam de nascer duas vezes” merece ser punido pela sua soberba. Merece, no mínimo, ser obrigado a transpirar pela sua vitória. Merece recear pela sua consagração. Merece aprender algumas boas maneiras democráticas.
Em resumo, o que quero dizer é o seguinte: é Cavaco que tem de nascer uma segunda vez. E como se consegue isso? Eleitoral e metaforicamente, há uma forma: obrigá-lo a uma segunda volta.
Sabem os leitores desta coluna que eu votarei Manuel Alegre e que o considero mais capaz — bem mais do que Cavaco — de interpretar a função presidencial e a representação da República. E é, sem dúvida, o melhor candidato da esquerda.
E os outros candidatos?
Fernando Nobre é o único que conheço melhor — até pessoalmente. Foi apoiante da candidatura europeia do Bloco de Esquerda em que eu fui candidato. Ao vê-lo discursar numa certa noite em Coimbra, pensei que ele daria (também) um bom candidato presidencial da esquerda. Fernando Nobre, porém, levou a sua campanha como se não fosse nem de esquerda nem de direita, coisa que acho pouco realista e pouco pedagógica. Mas o seu idealismo e a história que ele simboliza têm mérito eleitoral, e justificam um voto.
Francisco Lopes é o candidato do PCP, franca e assumidamente; uma candidatura militante, disciplinada e combativa. Não é a minha estética. Mas o diagnóstico e o seu apelo à ação são justificados.
Os dois restantes são candidatos mais episódicos, Defensor de Moura com uma agenda mais regional e José Manuel Coelho um estarola com um enorme descaramento de quem é difícil não gostar.
Nem todos mereceriam ser Presidente. Mas nenhum desmerece o voto se o objetivo for obrigar Cavaco — no mínimo — nascer para a segunda volta.
Publicado no Jornal Público no dia 19 de Janeiro de 2011