O Conselho Europeu do passado fim-de-semana foi assombrado pelo espectro de um plano franco-alemão para a governação económica da União Europeia. Angela Merkel afirmou que 2011 é o ano de uma renovada confiança no euro e que esperava que o actual presidente do Conselho Europeu tratasse dos detalhes de execução do seu plano; aí, Sarkozy fez de Dupont e afirmou que este iria fortalecer a competitividade e a convergência das diferentes economias.
Como é habitual, o presidente do Conselho veio ao Parlamento Europeu apresentar as conclusões da reunião ante os presidentes dos grupos parlamentares. Pelo que se ouviu, estes não gostaram, seja por razões de conteúdo, seja por causa da forma como a dupla de governantes se arroga do direito de funcionar como um governo dos governos de toda a UE.
A primeira fase do plano assenta em seis pontos. Um deles é a abolição dos sistemas de indexação dos salários à inflação, uma regra que existe em vários países europeus e que, na Bélgica, por exemplo, permite que, mesmo sem governo, os salários não percam poder de compra. Talvez por isso, o presidente do grupo liberal, ex-primeiro ministro belga, tenha insistido tanto com o presidente do Conselho Europeu, também ele ex-primeiro ministro belga, para saber como podia ele defender tal posição…
Entre as restantes medidas, encontram-se duas pérolas: o ajustamento da idade de reforma à “evolução demográfica”, ou seja aos 67 anos, e a constitucionalização do limite do défice, que, em última instância, levaria a dívida pública a zero dentro de algumas décadas, ou seja, ao estado mínimo do Estado.
As perguntas dos presidentes dos grupos parlamentares sucederam-se até chegar o momento das respostas. E aí, surpresa das surpresas, o presidente do Conselho afirmou alto e bom som que o tal do plano, afinal, nunca existira… mesmo que metade dos deputados presentes na sala o tivessem em fotocópia. Em gíria europeia a coisa é um “não-documento”. Não existe, logo não é louvável nem criticável. Longe de acalmar a plateia, esta revelação incendiou a pradaria. O social-democrata alemão que preside ao grupo socialista rasgou ostensivamente o “não-documento” e saiu da sala.
Merkel e Sarkozy, antevendo as reacções adversas de alguns países, terão metido o plano na gaveta à espera de melhores dias. Que se prevêem sejam os de Março em que, após uma quantas não-conversas privadas com os líderes europeus recalcitrantes, o duo finalmente chegue com toda a naturalidade ao consenso entre os 27. Nesse dia, os salários e as pensões de reforma serão os sacrificados desse altar onde, como se escreve no “não-documento”, se “assegura a felicidade da unificação europeia para as gerações futuras”. Por que será que os ingratos dos europeus teimam em não a sentir?
Artigo publicado por Miguel Portas no jornal “Sol” de 11 de Fevereiro de 2011