Está escrito nos livros: uma crise financeira que virou crise económica e que foi transformada em grave crise social tinha que assumir a forma de crise política. Ela aí está. Mas não nos enganemos: não é por se abrir uma crise política que teremos intervenção do FMI em Portugal; ao contrário, é precisamente porque a receita FMI – ainda que em prestações – já nos governa que se abriu a presente crise política.
PS e PSD foram-se irmanando na imposição ao país de uma receita recessiva e empobrecedora. PEC após PEC, tornou-se claro que o recurso ao FMI viria. O PSD desejou-o desde a primeira hora. Sócrates não fez mais do que tentar adiá-lo para que viesse sob a forma de “apoio” europeu sem o carimbo oficial do FMI. O PEC IV é a confirmação plena desta estratégia. E as comadres zangam-se agora pura e simplesmente porque nenhuma quer assumir publicamente a responsabilidade pela vinda dos credores de fraque a que ambas foram preparando o caminho.
Despedimentos em saldo, co-pagamento das famílias pelas despesas de saúde, “expulsão” (sic) de arrendatários em dívida – que tem isto a ver com a responsabilização do sistema financeiro que originou a bola de neve desta crise? Nada. A crise tornou-se um pretexto para uma ofensiva sem precedentes de penalização dos salários e dos direitos sociais dos mais pobres. Sempre em nome da estabilidade dos mercados e do crescimento que são cada vez mais meras miragens inverosímeis. A crise é isto.
Publicado por José Manuel Pureza em Diário das Beiras a 24 de Março de 2011