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‘Balanço’

A vitória de Cavaco Silva tem dois pequenos grandes “senões”: por um lado, obtém o mais fraco resultado de uma reeleição; por outro lado, perdeu a sua imagem de imaculado.

Como se esperava, Cavaco Silva ganhou. Os candidatos à renovação de mandato têm ganho sempre. Mas esta vitória tem dois pequenos grandes “senões”: por um lado, obtém o mais fraco resultado de uma reeleição, o que não lhe retira legitimidade, mas o limita; por outro lado, perdeu a sua imagem de imaculado. A sensação de história mal-contada na compra e venda de acções, bem como na valorização da permuta imobiliária que lhe permitiu zero de sisa, não pesou em votos, mas afectou, e de que maneira, a credibilidade do presidente reeleito. O seu discurso azedo e rezingão da noite da vitória mostra como saiu afectado desta refrega. Acresce que a procissão ainda pode estar no adro. Um país convive melhor ou pior com um PR mais ou menos activo; mas dificilmente tolera o silêncio se estiver em causa uma fraude fiscal. Uma tal conduta não assenta a um presidente, ponto.

Manuel Alegre perdeu. O candidato atribuiu a si próprio a responsabilidade pelo resultado e alguma terá tido. Mas não foi por falta de voz nem por falta de discurso que obteve, em 2011, menos um ponto do que em 2006. A sua dificuldade não foi o texto mas o contexto. Certo, parte do eleitorado à esquerda do PS não quis dar, numa primeira volta, o seu apoio a um candidato apoiado por José Sócrates. Embora o Bloco tenha segurado o grosso da sua base eleitoral (sem prejuízo de votos que foram parar a Fernando Nobre, a JM Coelho e aos brancos e nulos), o discurso de esquerda de Alegre esteve sempre em contraste com a prática governamental que, aliás, não raro, criticou. Mas não foi pela asa esquerda que Alegre fica a 2 pontos da segunda volta. Alegre falha porque o eleitorado PS dispara em todas as direcções – para a abstenção, para Nobre, para Defensor de Moura e até para Cavaco Silva. “Culpa do discurso”, como dizem os que nunca quiseram Alegre? Ou desencanto com a política, marcada pela crise e pela abissal diferença entre as palavras e os actos da governação?

Nobre teve muitos votos. Só não tem o que fazer com eles. Se avançar para a forma partido, aliena o eleitorado anti-partidos que cotejou. Se aceitar ser cereja no bolo da direita, facilitará a vida a Passos Coelho, mas hipoteca-se a si próprio; se esperar pelas próximas presidenciais, é o país que pode não esperar por ele. A vitória de Nobre foi tão “tremenda” quanto descartável.

Finalmente, e numa disputa bem mais simples, Francisco Lopes fica aquém de Jerónimo Sousa. Sete pontos não são tragédia nenhuma, mas estão longe de ser brilhantes. Num contexto de elevada abstenção e sem pressão para o voto útil, mostram um partido militante, mas metido na sua concha, incapaz de projectar a voz para lá do próprio círculo.

Quanto ao mais… Alberto João que se cuide, que Coelho não foi apenas empatia madeirense e protesto continental.

Publicado no Jornal Sol no dia 28 de Janeiro de 2011