Quais são os limites da palavra em democracia? Quando é que falar ou calar é “mais democrático”?
Depende. Wikileaks, a nova lei húngara e “o caso” da actual campanha presidencial em Portugal mostram o quão contingentes são as respostas.
Através da Wikileaks foram publicadas informações que marcaram a agenda dos últimos meses: “despiu-se” a diplomacia, puseram-se a nú “os imperadores”. A pessoa que alegadamente passou as informações – entendamo-lo, de clara utilidade pública – está isolada há meses em condições sub-humanas. O soldado Manning foi contratado para ler os relatórios que leu. Fê-lo supostamente com “demasiado profissionalismo” e, juntando os fios soltos, revelou teias muito densas de relações de poder, de claros abusos aos direitos humanos e uma manifesta falta de verdade num modelo de democracia que está minado pelos jogos de interesses. Esse mesmo modelo de democracia, que não aceita a “traição” de Manning, tudo faz para travar a “onda” de transparência entretanto iniciada. Por revelar a verdade, Manning falou demais. Ainda falta apurar a culpa.
Passemos para o que se passa na Hungria. Há bem pouco tempo assistimos à catástrofe da “lama vermelha” que fez vítimas e deixou marcas profundas para a população e para o ambiente. Vimos o que nos foi permitido ver. O esforço das autoridades húngaras para abafar a dimensão da catástrofe e para desresponsabilizar os culpados deste “acidente” industrial foi enorme. O que se soube resultou de informações de alguns activistas e jornalistas sob ameaça. A agora nova Presidência da União Europeia – chefiada pelo governo de Viktor Orban – revelou-se. O início do mandato coincide com a publicação de uma lei que criminaliza a liberdade de imprensa. Censura embrulhada em “pacote” democrático. E é esta a presidência de uma Europa que se diz campeã da liberdade de expressão e da transparência. Orban acha que os jornalistas falam demais e acha que é pela força que se calam.
Viremo-nos agora para Portugal e para a campanha presidencial. O caso BPN tem enchido as páginas dos jornais. Não é para menos, todos fomos chamados a branquear e a pagar a incompetência e a ganância de uns poucos. O actual Presidente da República e candidato Cavaco Silva ainda não foi capaz de ser minimamente claro nem em relação a este caso, nem em relação às acusações que lhe foram feitas. Não é porque não tenha condições para fazê-lo, mas antes porque entende que nós cidadãos eleitores e pagantes não temos o direito de saber. Para Cavaco Silva um pedido de transparência é sinónimo de “campanha suja” e de difamação. Já sabemos que é amigo dos “mercados” e que gosta de os ter calmos, mas autoproclamar-se o “mais honesto” de todos os portugueses e, ao mesmo tempo, presentear-nos com um “real” desprezo não o dignifica. Nem a nós, se o permitirmos. Cavaco Silva não está numa condição qualquer, tem a obrigação moral de falar. Nós teremos, com o nosso voto, condições para nos fazer respeitar. É que há oportunidades que não podem ser desperdiçadas, nem por uma vez.
Artigo publicado no jornal As Beirasa 8 de Janeiro de 2011