A perspetiva geopolítica da crise ambiental e as linhas que devem orientar a posição portuguesa e as suas políticas ambientais
Em 2015, Portugal caiu de 9º para 19º lugar no índice de performance de combate às alterações climáticas, um índice que mede o desempenho dos 59 países mais industrializados do mundo, que, em conjunto, são responsáveis por 90% das emissões de gases de efeito de estufa. Nenhum país ocupou um dos 3 primeiros lugares do pódio deste índice, pois nenhum país fez o suficiente para prevenir os perigosos impactos das alterações climáticas… Se a ameaça é clara, o que é que se passa?
Para compreender o atraso na resposta que tem sido dada à crise climática não basta uma análise causa-efeito das alterações ambientais em si. É preciso perceber, sobretudo, o xadrez de interesses políticos, energéticos e económicos em que se tenta construir e implementar uma solução.
Por isso a Fórum Manifesto realizou o jantar-debate “Portugas nas guerras climáticas” no passado sábado, 28 de maio, na Casa dos Amigos do Minho. Discutiu-se a perspetiva geopolítica da crise ambiental e as linhas que devem orientar a posição portuguesa e as suas políticas ambientais. Foram convidados da Associação Pedro Martins Barata e Francisco Ferreira.
“Não pode haver programa político nos próximos 30 anos que não tenha por base as alterações climáticas como variável fundamental”
Os gases de efeito de estufa (principalmente CO2 mas também metano e outros gases) retêm calor. O efeito do incremento de emissões que se tem registado nos últimos cem anos é agravado pela taxa de deflorestação global que tem aumentado também. A subida de temperatura resultante promove o degelo nos polos. Como consequência, a temperatura dos oceanos baixa, o nível do mar sobe, os oceanos acidificam e geram-se fenómenos meteorológicos extremos.
Estas alterações do meio ambiente têm impacto nos ecossistemas porque as espécies (animais, plantas e outras) que estão adaptadas às condições ambientais de uma dada região (ou seja, a uma dada disponibilidade de água, temperatura, acidez…) não conseguem acompanhar, adaptando-se, à velocidade a que as alterações estão a ocorrer, nem terão, em geral, tempo ou rotas que lhes permitam migrar, colonizando novas zonas onde o ambiente lhes seja propício.
O resultado das alterações climáticas a nível de perda de biodiversidade é assim agravado por um efeito “em cascata”: os ecossistemas caracterizam-se não só por determinadas condições ambientais, mas por interações entre espécies (presa e predador, parasita e hospedeiro são exemplos familiares), pelo que o efeito devastador numa espécie se propaga, num efeito em cadeia, às restantes espécies do ecossistema.
É também um fenómeno deste tipo que explica o efeito catastrófico da subida de temperatura nas alterações climáticas. Ao aumento da temperatura global não corresponde um nível gradual e equivalente de incremento de perda de biodiversidade, ou de fenómenos meteorológicos extremos. A nível do planeta como um todo, o sistema geoclimático tem alguma resiliência (capacidade de tolerância à mudança) que é potencialmente reversível até dado ponto. O que acontece é que, tal como anos ecossistemas, ultrapassado um determinado limite o processo de alteração climático se torna essencialmente irreversível. A instabilidade decorrente de subidas de temperatura acima de um determinado valor torna a dimensão e localização de fenómenos climáticos essencialmente imprevisível.
Os modelos geoclimáticos disponíveis indicam que uma subida de mais de 2,0⁰C no próximo século corresponderá a este limite. Por isso o acordo de Paris estabelece esforços de mitigação de emissões que, supostamente, impedirão uma subida de temperatura além de 1,5⁰C.
À escala global, o processo de aquecimento terá impacto nas zonas costeiras e insulares (perda de território), na disponibilidade de água doce e na produção de alimentos (devido às alterações de clima e da acidificação dos oceanos), na saúde pública e nas migrações humanas (como consequência da alteração do ambiente, das perdas de território, do acesso a água potável e do agravamento das condições socioeconómicas) e na produção de energia (maior input energético para climatização de edifícios e produção de alimentos). O aquecimento terá, portanto, impactos devastadores a nível ambiental, económico e social.
Este conhecimento está a criar já uma nova forma de pressão sobre as relações internacionais com impacto sobre os governos, pressão que se tornará mais forte conforme os esforços de mitigação de emissões a nível global se forem revelando insuficientes. Para esta pressão contribuem as assimetrias presentes e passadas dos diferentes países a nível de taxas de emissão que se relacionam, não só mas também, com assimetrias de desenvolvimento económico, nível de industrialização e de modelos de desenvolvimento (países produtores de petróleo e os outros). Para as tensões geopolíticas contribuem ainda de forma crucial a localização geográfica (nações insulares e com costa, nações que serão mais atingidas por desertificação etc.).
Assim, se a Cimeira de Paris (2015) constituiu uma evolução importante relativa ao Acordo de Quioto (que começou a ser ratificado em 1997), e particularmente em relação à Cimeira de Copenhaga (2009), ela demonstrou também o acentuar das tensões. Paradoxalmente, e num cenário que se agrava, a União Europeia parece ter resolvido abandonar o papel de líder na área do Clima que teve até aqui, comprometendo-se com metas que estão abaixo do possível e ainda menos do necessário. Exceção feita para alguns países, como a Suécia, que se auto propôs cumprir metas mais ambiciosas.
A um verdadeiro esforço de mitigação de emissões corresponde necessariamente uma alteração profunda de hábitos individuais e de modelos de desenvolvimento: dos padrões de consumo individual de energia ou de carne, à transformação da rede de transportes públicos e privados para modelos elétricos, passando por uma substituição das fontes de energias para renováveis não poluentes e por uma nova lógica de rede de abastecimento, até à alteração dos materiais e práticas de construção de infraestruturas, à reorganização dos territórios e dos modelos de ocupação do espaço e exploração agrícola, para citar apenas alguns exemplos de alterações necessárias à formação de um novo paradigma socioeconómico.
E se, para ser eficaz, a mitigação de emissões terá que ocorrer a nível global e depende, por isso, de acordos internacionais, o esforço de mitigação de emissões deve determinar a atuação política ao nível nacional. Como sublinhou Francisco Ferreira, “não pode haver programa político nos próximos 30 anos que não tenha por base as alterações climáticas como variável fundamental”: a pressão para que essa mudança ocorra a nível nacional será tão mais eficaz se partir de baixo para cima – ou seja, se for uma exigência do eleitorado a quem governa.
Notas biográficas sobre os convidados
Pedro Martins Barata é Economista e CEO da GET2C, que implementa soluções para compensação e redução de emissões na indústria ao abrigo do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), e fornece apoio no desenvolvimento de estratégias de mitigação de emissões e de adaptação das sociedades aos impactos das alterações climáticas. Nesta qualidade tem dado apoio estratégico, político e técnico às delegações nacionais em negociações Europeias e nas Nações Unidas.
Francisco Ferreira, Engenheiro do Ambiente, Professor na Universidade Nova de Lisboa, ex-Presidente da Quercus e fundador da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável -, uma associação que visa concretizar níveis nulos de poluição, de desperdício de recursos, de destruição de ecossistemas e de desigualdades sociais e económicas, aconselhando o desenho de legislação nacional e internacional. Francisco Ferreira tem integrado as delegações nacionais nas conferências das Nações Unidas sobre o clima.
Nota: Este texto pretende ilustrar e resumir a troca de ideias durante o debate, de forma tão fidedigna e desprendida quanto possível, procurando respeitar a pluralidade de opiniões expressas. Baseia-se apenas em notas pessoais tiradas no decorrer desta iniciativa e, como é evidente, não vincula nem qualquer dos presentes no debate nem a Associação Fórum Manifesto enquanto associação política.