Se tivesse que eleger a pior figura nacional de 2010 não optaria por José Sócrates, mas por Angela Merkel.
José Sócrates foi à televisão dizer umas palavras e a coisa não correu lá muito bem. Tanto quanto me contaram, exibiu a sua enésima variante de optimismo, o que, tendo em conta a quadra, até podia resultar. O problema é que não há esperança que resulte com aquela cara – nem mesmo a que se serve de mansinho e em doses homeopáticas, como parece ter sido o caso. Independentemente do que diga ou faça, o primeiro-ministro suscita a irritação imediata em pelo menos dois terços dos que o escutam. Para estes, ele já só serve para más notícias ou para notícias-boas-que-não-o-chegam-a-ser. Ele é, em si mesmo, a cara da desgraça sempre que surge, o que – infelizmente para ele e para nós – ocorre quase todos os dias, quando não várias vezes ao dia.
Há algo de irracional e de perverso nesta relação televisiva. O primeiro-ministro não percebe que a sua imagem piora sempre que aparece e independentemente do que diga; os telespectadores do contra, pelo seu lado, concentram numa só criatura a expiação tudo o que de mal aconteça no país – o que é, obviamente, exagerado. Certo, quem mais contribuiu para este divórcio litigioso foi o próprio José Sócrates – ele fez tudo para resumir a politica nacional à dicotomia “quem não é por mim é contra mim” – mas não é menos certo que a simplificação dificulta o entendimento. Sempre.
Se tivesse que eleger a pior figura nacional do ano não optaria por José Sócrates, mas por Angela Merkel. Friamente, o que mais detesto no comportamento do primeiro-ministro é a sua absoluta irrelevância no debate europeu que nos está a tramar. Sucede que esta crítica é inteiramente extensiva a Cavaco Silva, presidente da República, como o seria a Pedro Passos Coelho, se fosse este a figura de plástico que o povo tivesse plantado na residência de São Bento.
Para mal dos nossos pecados, a senhora Merkel manda mais na nossa economia, nos nossos orçamentos e na nossa dívida do que qualquer primeiro-ministro ou ministro das finanças luso. Aliás, eles sabem-no e os candidatos laranjas ao lugar também – só não fica bonito reconhecê-lo. As lideranças nacionais estão de gatas ante as ordens e as recomendações de Bruxelas “porque esse é o único caminho”… mesmo que este, “o único”, nos tenha trazido até aqui.
Identificar o problema é começar a resolvê-lo: o país não tem saída se voltar a olhar para o seu umbigo, mas também não a encontra se continuar de joelhos nas reuniões onde se decide a política que nos atira para nova recessão. O país precisa de uma liderança de combate e aliança para isolar a economia que dissolve em desemprego o projecto europeu – a politica alemã. Eis o meu voto para 2011: que o mundo do trabalho e os jovens se levantem por toda a Europa contra a cegueira que a dirige.
Publicado no jornal Sol de 30 de Dezembro de 2010