O caso do BPN é exemplar do ponto de vista do papel estratégico que têm os off-shores na promoção da fraude e evasão fiscais, e também na protecção da criminalidade financeira.
Em Maio deste ano, a Sociedade Lusa de Negócios, à qual pertencia o BPN, mudou de nome. Passou a chamar-se Galilei. Não sei o que farão os seus descendentes para defender o bom nome da família, mas este acontecimento é tão significativo como compreensível. A SLN é o verdadeiro sujeito da mega-fraude do BPN e percebe-se que os seus accionistas não façam questão de manter o nome, quando discutem a continuação da actividade do Grupo.
Mas o facto mais importante é a própria continuação dessa actividade. Quando o Governo tomou a decisão de fazer incidir a sua intervenção (sob a forma de nacionalização) apenas sobre o BPN e não sobre a totalidade do Grupo SLN (responsabilizando todos os seus accionistas, como era exigível), o grande argumento era o de que as restantes empresas do grupo estavam falidas.
Na realidade, o que hoje verificamos é que os activos dessas empresas, que poderiam ter sido utilizados para, pelo menos, minimizar as perdas com o BPN, serviram para reestruturar o Grupo Financeiro que agora se prepara para prosseguir a sua actividade, como se nada se tivesse passado. Para trás, fica um buraco sem fundo à vista, para ser pago por quem não tem dinheiro para poder ser criminoso. O remédio para a fraude do BPN são os contribuintes que o vão tomar.
Mas se o remédio é amargo, a vacina, pura e simplesmente não existe. Como acontece com as várias manifestações da crise financeira, mesmo depois de tiradas as conclusões, pouco ou nada de concreto mudou na forma como funcionam os mercados financeiros. A força dos factos, a força dos argumentos não chega, por mais claros que sejam os primeiros, por mais fortes que sejam os segundos. Tomemos o exemplo dos off-shores.
A SLN era um grupo económico particular porque, ao contrário do que normalmente acontece, o Banco não era o centro de comando do Grupo. As fraudes do BPN foram conduzidas pela Holding e perpetradas através do recurso generalizado a quase uma centena de empresas sediadas em off-shores, como explicou um membro da administração de Miguel Cadilhe. O caso do BPN é, aliás, exemplar do ponto de vista do papel estratégico que têm os off-shores não apenas na promoção da fraude e evasão fiscais, mas também na protecção da criminalidade financeira.
Foram essas conclusões que levaram João Cravinho a defender uma investigação sobre o papel dos off-shores no caso do BPN, da qual poderiam e deveriam ter resultado conclusões importantes para a sua extinção, um dos desígnios mais importantes de qualquer alternativa de política económica.
Não deixa de ser revelador que, enquanto se juntam à esquerda na crítica ao processo do BPN (mas não em qualquer tipo de propostas concretas), PSD e CDS apresentem dois projectos de resolução para dar condições “mais favoráveis” (sic) ao off-shore da Madeira. Nesta matéria do BPN, a direita atira pedras porque tem telhados de vidro. Não apenas por causa das ligações de governantes de Cavaco a este banco, mas também pelas responsabilidades políticas pelo quadro legal em que operam as instituições financeiras.
Nem sempre é preciso mudar alguma coisa, para que tudo fique na mesma. Às vezes basta gritar muito. A direita faz todo o alarde que pode com a sua indignação sobre o BPN, mas as propostas concretas que agravam o problema da desregulação financeira, avança-as sorrateiramente no anonimato das comissões.
Publicado por José Gusmão em ladroesdebicicleta.blogspot.com no dia 23 de Dezembro de 2010