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‘A verdade dói’

A prisão de Julian Assange, os processos judiciais, o bloqueio aos donativos e os ataques da Amazon e da EveryDNS.net ao site da WikiLeaks mostram os poderes imensos em que as revelações daquela organização tocaram. E como esses poderes conseguem chegar a governos, empresas, sistemas judiciais, polícias. Felizmente, prender, ameaçar e perseguir o mensageiro é mais fácil do que calar a verdade. Centenas de organizações estão a criar sites ‘espelho’ com a mesma informação e desenvolve-se na Net uma autêntica guerra pela liberdade de expressão, com ataques às empresas que aceitaram ser instrumentos de censura.

Toda a informação do ‘Cablegate’ é credível e todos os jornais de referência que a estão a publicar a consideram relevante. Estranhamente, o sentimento de muitos jornalistas e colunistas portugueses é o contrário. Em Portugal, o respeitinho ainda vale mais do que o compromisso com o dever de informar. Sobretudo quando a informação revelada desmente o que se andou a defender durante anos.

A WikiLeaks resulta de um falhanço: a imprensa americana e europeia passou anos a comprar a propaganda que lhe vendiam. E a comprar, antes de mais, o ‘estado de exceção’ permanente em que parecemos viver. Seja por causa do terrorismo, da guerra, ou da crise financeira, há sempre razões superiores para ser cúmplice da mentira. Porque vive paredes-meias com o poder, a imprensa aceitou capitular a bem dos interesses do poder. Felizmente, outros foram à procura da verdade. Felizmente temos outros instrumentos. Era melhor que esse trabalho fosse feito por profissionais, com critérios jornalísticos e regras deontológicas? Sim. Mas então porque não o fizeram?

Descartáveis

Só por má-fé alguém pode defender que os nossos problemas de dívida externa e de um crescimento anémico resultam do fator trabalho. Os trab alhadores portugueses não são improdutivos, como demonstram quando estão fora daqui. Os nossos salários são dos mais baixos da Europa e não têm subido acima do crescimento do PIB. O despedimento coletivo em Portugal está, como se viu na Groundforce, à distancia de um e-mail. É livre. E esse despedimento é o que afeta grandes empresas que se dediquem à manufatura de bens transacionáveis e com capacidade exportadora. O que é difícil é o despedimento individual. Alguém consegue explicar em que é a liberalização do despedimento individual poderia ter um efeito rápido na superação da crise que vivemos?

A liberalização do despedimento individual só tem um efeito económico rápido: a redução dos salários. Ao tornar o despedimento menos dispendioso e mais fácil o empregador ganha uma poderosa arma de pressão junto do trabalhador para, em tempo de crise, lhe reduzir o salário. Além dos efeitos devastadores que isto tem na vida dos portugueses e, por isso, na economia interna – imprevisibilidade da vida das famílias, contração do consumo e mais despesas sociais do Estado -, agravam-se os atrasos estruturais das nossas empresas: ainda maior disparidade salarial e pouca qualificação do trabalho. A recomendação da Comissão Europeia que o governo se prepara para acatar nada tem a ver com os problemas da nossa economia e com a crise. Apenas tenta aproveitar a crise para impor um velho sonho: tornar todos os trabalhadores descartáveis.

Publicado por Daniel Oliveira no Jornal Expresso no dia 11 de Dezembro de 2010