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‘censura’

A política quer-se clara. E o momento que o país vive exige-o em dobro. O apodrecimento da situação do país desafia todas as forças políticas a mostrar sem tacticismos os seus propósitos. Para a vida concreta das pessoas, a crise é isto: o afundamento da economia, o ataque nunca visto contra o salário, a desconsideração dos pobres e desempregados, a hipoteca de uma geração condenada a estudar para a escravidão.

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‘Egito: é difícil fazer melhor’

Se eu fosse egípcio, teria acordado no sábado pensando: será que é verdade? aconteceu mesmo? o Mubarak já não é presidente? E depois, teria perguntado: e agora? o que vai acontecer? Não me teria lembrado disto: pegar numa vassoura e ir varrer as ruas. E foi isso que muitos egípcios fizeram.

Esta revolução egípcia será estudada durante décadas. Até que cheguem os primeiros estudos feitos por cientistas sociais, historiadores e estatísticos, não conseguiremos entender como foi possível organizar, motivar e coordenar uma massa de milhões de pessoas com a persistência, a unidade e a concentração que os egípcios demonstraram — e sem um partido, um sindicato ou uma organização religiosa que pudesse monopolizar o protesto. Uma revolução é uma vasta operação de massas, mas enquanto não nos aproximarmos dos milhões de decisões individuais, teremos de tentar apanhar-lhe a alma através dos pormenores significativos, as coisas de que não nos lembraríamos, aquelas que estão fora das previsões. Daí os egípcios varrendo as ruas no dia seguinte à queda de Mubarak.

Passámos uma década tentando prever — passámos mais, mas na última década vivemos obcecados com isso — como reagiria a grande mole do maior país árabe quando finalmente explodisse, como teria que explodir. Ninguém conseguiu imaginar que, após décadas de humilhação quotidiana, eles aguentariam dezoito dias de protestos na rua, fazendo sair por várias vezes multidões de centenas de milhares ou milhões de pessoas em todos o país, ultrapassando as provocações e a desmobilização; quando foram atacados, não abandonaram a praça; quando o movimento perdia o gás, iam buscar reservas sabe-se lá onde.

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Varrer as ruas e limpar os monumentos significa que os egípcios tomam posse do seu país, e que o seu movimento é acima de tudo reconstrutivo. Claro, tudo pode ainda correr mal. O exército pode desejar calcificar-se no poder, a irmandade muçulmana pode corresponder aos piores pesadelos ocidentais; e parte-se de tão alto que é impossível, daqui a tempos, não haver desiludidos da revolução. Poderíamos encher colunas e colunas com aquilo que poderia correr mal; a isso poderíamos acrescentar a mesquinhez, a ignorância e até o racismo com que muitos comentadores se têm referido à revolução egípcia, como se ali estivesse um povo embrutecido ao qual houvesse de ser negada a emancipação.

Para isso seria preciso recusar aquilo que os egípcios fizeram até agora. Sim, tudo pode ainda correr mal. Mas não poderia ter corrido melhor até agora.

Mas acima de tudo, para justificar o grau de ridículo e bilioso pessimismo perante a revolução egípcia, seria preciso dizer: que fazer de diferente, então? Manter Mubarak no poder, para lá do prazo de validade, aumentando a pressão dentro da panela, e arriscando uma explosão violenta, só para manter sossegado Netanyahu em Tel Aviv? Abafar agora a revolução com uma junta militar pró-ocidental, arriscando a frustração das expectativas egípcias? E tudo isso para quê?

Alguns ocidentais temem que o Egito possa seguir o caminho do Irão em 1979. Para isso têm de esquecer uma coisa: que o caminho do Irão já foi seguido e os egípcios conhecem-no: é um regime autoritário. E por que raio hão-de os egípcios querer ser como o Afeganistão ou o Iraque? Os árabes são informados, e sabem o que se passa na região. Não têm razões para ir por aí. Entre ser como o Irão, o Afeganistão, o Iraque, a louca Líbia e — por exemplo — a Turquia, que preferirão os egípcios? Ai que pergunta tão difícil.

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‘A não-felicidade’

O Conselho Europeu do passado fim-de-semana foi assombrado pelo espectro de um plano franco-alemão para a governação económica da União Europeia. Angela Merkel afirmou que 2011 é o ano de uma renovada confiança no euro e que esperava que o actual presidente do Conselho Europeu tratasse dos detalhes de execução do seu plano; aí, Sarkozy fez de Dupont e afirmou que este iria fortalecer a competitividade e a convergência das diferentes economias.

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‘O novo mundo árabe’

Para além da religião e da língua, uma coisa se repete nas paisagens do Cairo, de Damasco, de Amã ou de Sanaa: retratos de ditadores. No Cairo, a fotografia de Mubarak olha-nos em cada canto, sendo certo que, se nada acontecesse, no lugar dela seria posta a do seu filho Gamal. Em Amã, é a fotografia do Rei Abdullah que ocupa o espaço público. Em Sanaa, o bigode de Saleh está em todas as esquinas. Em Damasco, Bashar al-Assad divide a iconografia da ditadura com o pai que governava antes dele e com o falecido irmão que deveria ter ficado com o seu lugar. Mas os símbolos populares são outros: no Iémen, quando lá estive, em 2005, era a cara de Yassin, líder religioso do Hamas abatido pelos israelitas; na Síria, quando lá estive, durante os bombardeamentos israelitas ao Líbano em 2006, eram as bandeiras amarelas do Hezbollah; no Egito é a Irmandade Muçulmana.

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‘Quando não é bom ter razão’

Não é bom ser desmentido por três ministérios ao mesmo tempo. Pior ainda? Ter razão.
No início deste ano fui contactado para comentar uma notícia saída no DN que dava conta de um acordo assinado entre Portugal e os EUA para transferência de dados biográficos, biométricos e de ADN de cidadãos portugueses.
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‘Infinita Plasticidade’

Jacob Burckhardt — um historiador da arte, de nacionalidade suiça, que viveu durante o século XIX — lamentou-se uma vez escrevendo que “o mundo está submerso em falso ceticismo”, acrescentando logo depois “já que do verdadeiro ceticismo nunca pode haver demasiado”.

Não é fácil interpretar isto, mas vale a pena tentar.

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‘Reduzir a Democracia’

Paira sobre a nossa democracia a ameaça do desvirtuamento da sua autenticidade representativa. A proposta de redução do número de deputados/as, a que esta semana deu voz o Ministro Jorge Lacão, arranca de pressupostos populistas e perverte a representação como elemento essencial da democracia.

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