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“Há uma estratégia que nos devolve a esperança” – Filipa Vala

Intervenção da Filipa Vala na sessão pública “Por uma Governação Decente”

filipa vala

Começo por dizer que nunca esteve nos meus planos de vida inscrever-me numa associação política.

Mas há uma semana atrás, tornei-me membro da associação fórum manifesto.

Se me tivessem dito que chegaria ao aniversário dos 13 anos do meu doutoramento sem nunca ter tido um contrato de trabalho em Portugal, não acreditaria.

Principalmente não acreditaria se acrescentassem que durante esse período iria estar sempre a trabalhar.

É triste chegar a esta fase da minha carreira e dizer “tenho sorte”. Tenho sorte porque estou a trabalhar e mais sorte tenho porque trabalho no que gosto.

Numa sociedade com 10 milhões de habitantes em que um milhão e meio estão desempregados (isto não são os números oficiais), ter trabalho é uma questão de sorte.

Não é uma questão de excelência, nem de empreendorismo, nem de inovação.

A narrativa da excelência, do empreendorismo e da inovação, aliada à precarização e destruição de postos de trabalho – que já existia, mas se agravou de forma inimaginável com este governo – é uma narrativa de humilhação.

Serve para humilhar os desempregados, pondo neles a responsabilidade da sua situação, fazendo com que acreditem que o lhes falta é excelência, empreendorismo e inovação.

Seve para humilhar candidatos a postos de trabalho obrigando-os a aceitar condições indignas.

Serve para humilhar trabalhadores sob a ameaça de despedimento.

Serve para humilhar pessoas como eu, que sabem que no concurso de bolsa que ganharam, foram eliminados colegas com igual capacidade, talento e motivação.

Pessoas que como eu são obrigadas a dizer “tive sorte”.

E para que serve uma narrativa de humilhação?

A humilhação gera subserviência e desânimo, que são duas condições essenciais para aceitar um discurso de inevitabilidade.

A narrativa da humilhação serve para que acreditemos que é inevitável o desemprego, a precarização, os cortes salariais, os cortes nas pensões, as privatizações, a não renegociação efetiva dos contratos de parceria pública-privada ou de swaps. É tudo inevitável.

A subserviência e o desânimo que decorrem da narrativa de humilhação servem para que aceitemos como inevitáveis o crescimento da desigualdade social e o desmantelamento do Estado Social.

 

Tudo se resume a fazer com que aceitemos a ausência de uma alternativa.

Porque se aceitarmos a ausência de uma alternativa, estará minado, pela raiz, o exercício da democracia.

Se não há alternativa, não vale a pena votar.

Acontece que há alternativa e que sabemos que ela existe.

O trabalho dos vários movimentos sociais e de iniciativas como o Congresso Democrático das Alternativas, ou a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à dívida que reúnem diversas tendências políticas, e o trabalho dos grupos parlamentares da oposição, sobretudo do Bloco de Esquerda e da coligação CDU, mostra que existem políticas alternativas.

Aliás, o trabalho destes movimentos, iniciativas e partidos tem servido para clarificar três coisas:

– que a política em curso não é, ela própria, alternativa nenhuma, na medida em que não cumpre sequer os objetivos e metas que se propõe;

– que a alternativa passa obrigatoriamente por uma reestruturação da dívida;

– que o euro e o pacto orçamental são espartilhos que dificultam a nossa recuperação económica.

Ou seja, o diagnóstico da situação política feito por estes movimentos e iniciativas e grupos da oposição é convergente no essencial.

Julgo que uma convergência tão ampla à esquerda é inédita na nossa democracia.

Mais surpreendente ainda, no que respeita aos grupos parlamentares do Bloco e da CDU, as metas a atingir também são convergentes:

– reverter a taxa de desemprego

– reverter os cortes nos salários e nas pensões

– combater a precariedade

– parar o processo de privatizações

– impedir a negociação de contratos lesadores do erário público e renegociar os que já existem

– promover a transparência, eliminando os conflitos de interesse, no processo de decisão legislativo e governamental

– preservar o Estado Social, assegurando serviços públicos de qualidade em todas as suas vertentes

– reverter a desigualdade social, promovendo uma sociedade socialmente justa e solidária através de uma política fiscal adequada…

são exemplos dessa convergência de metas e objetivos.

Na situação em que nos encontramos, eu esperaria que esta convergência atraísse uma porção significativa do eleitorado para os partidos com assento parlamentar e que se posicionam à esquerda do partido socialista.

Como mostram os resultados das últimas eleições, e apesar da CDU ter reforçado a sua votação, isso não aconteceu.

Isto significa, julgo eu, que para o eleitorado português, o Bloco de Esquerda e o PCP, apesar de proporem uma alternativa política, não constituem uma solução.

E não constituem uma solução porque os decretos-lei que enunciam a alternativa política que estes partidos defendem – e de que precisamos – estão, na sua larguíssima maioria, guardados em gavetas.

Não estão publicados em diário-da-república.

No final da última reunião entre as direções do Bloco e do PCP, João Semedo destacou que o que está em causa não é um arranjo eleitoral.

E citou Jerónimo de Sousa dizendo que cada partido vai na sua bicicleta, mas que a estrada é a mesma e que a bicicleta às vezes tem dois selins.

Foi no dia em que li esta notícia, que decidi inscrever-me na associação fórum manifesto:

Dá-se o caso de eu saber andar de bicicleta.

E, talvez porque vivi muitos anos na Holanda, sei andar numa bicicleta de um só selim, com duas, três e até quatro pessoas.

É verdade que andar de bicicleta neste tipo de formação não é a forma mais confortável de andar de bicicleta.

E também é verdade que andar de bicicleta a dois, três ou quatro, não é fácil:

é um trabalho de cooperação e equilíbrio que requer algum talento.

Mas posso assegurar que quando a situação assim o exige, estas formações em bicicleta são uma solução que permite percorrer distâncias consideráveis e levar toda a gente para casa.

No que respeita a andar de bicicleta, portanto, acho que estou em posição de dizer que faltam algumas competências ao Bloco e ao PCP.

O problema não é o destino, nem a estrada e provavelmente nem sequer será a cooperação e o equilíbrio necessários.

É sobretudo a vontade de tentar chegar, em conjunto, a um destino.

Julgo que foi a expressão clara desta vontade de tentar chegar, em conjunto, a um destino que deu ao Livre os resultados que obteve na sua estreia eleitoral.

Nas circunstâncias em que nos encontramos, em que prosseguem as políticas de empobrecimento e de agravamento da desigualdade, por via da austeridade, a ausência desta vontade de tentar fazer mais do que uma boa oposição, reforça no eleitorado de esquerda o sentimento de inevitabilidade, o sentimento da ausência de alternativa.

A ausência de uma vontade clara de tentar em conjunto reforça no eleitorado de esquerda o sentimento de que estamos condenados ao rotativismo do “centrão”.

Esse sentimento de inevitabilidade, que alimenta a abstenção, constitui a arma mais forte a favor da direita.

É esse sentimento que é preciso derrotar, oferecendo à alternativa política que existe e que é convergente, uma solução que possa constituir governo.

Que mostre que não estamos condenados nem a um governo do bloco central, nem a uma maioria absoluta do Partido Socialista nas próximas eleições.

E há uma estratégia que derrota o sentimento de inevitabilidade e que nos devolve a esperança

É tentar a tal formação alargada em bicicleta.

Todos reconhecemos as enormes dificuldades que isto coloca e que teremos que enfrentar.

É urgente criar uma convergência programática que viabilize os objetivos comuns partilhados pelos partidos, movimentos e iniciativas da esquerda deste país.

Na situação de emergência em que vivemos, tentar esta convergência é uma obrigação de qualquer partido que tome como seus os ideais de abril.

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“É urgente uma postura de compromisso e de determinação” – Ricardo Paes Mamede

Intervenção do Ricardo Paes Mamede na sessão pública “Por uma Governação Decente”

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Vivemos uma situação muito difícil e de pouco serve ignorá-lo

  • Quase 800 mil portugueses encontram-se oficialmente desempregados, 500 mil dos quais há mais de 1 ano e, destes, 300 mil há mais de 2 anos.
  • Mais de 120 mil pessoas já não são consideradas desempregadas porque desistiram de procurar emprego e centenas de milhares porque se viram forçadas a emigrar.
  • Entre aqueles que conseguem ter um emprego, aumenta continuamente a precariedade, enquanto o poder de compra dos salários se vai erodindo.
  • Com as alterações sucessivas das leis laborais, cada vez mais pessoas estão sujeitas a horários de trabalho incompatíveis com a vida familiar e a realização pessoal, sob a chantagem crescente do despedimento em versão simplex.
  • O tecido produtivo também não sai ileso desta crise.
  • O crédito malparado das empresas atingiu em Maio o valor mais elevado dos últimos 15 anos, afectando mesmo as empresas mais dinâmicas.
  • O investimento empresarial recuou para níveis da década de oitenta, pondo em risco a capacidade de criação de riqueza no futuro.
  • O colapso do Grupo Espírito Santo – cuja dimensão e consequências ainda estamos longe de conhecer – veio revelar-nos a fragilidade do sistema financeiro português.
  • Estamos, pois, longe da retoma que o FMI, o Banco Central Europeu, o Banco de Portugal, a Comissão Europeia e o actual Governo insistem em decretar.

O risco que enfrentamos hoje é o prolongamento, por vários anos, da degradação social e económica do nosso país

  • Portugal enfrenta uma dívida pública e uma dívida externa historicamente elevadas, que restringem fortemente as possibilidades de desenvolvimento do país.
  • No passado, economias em circunstâncias comparáveis só conseguiram ultrapassar a crise reestruturando as suas dívidas e conduzindo políticas económicas favoráveis ao crescimento.
  • Mas esta não é, como sabemos, a opção do actual governo. A coligação PSD/CDS propõe-se lidar com as elevadas dívidas pública e externa de Portugal prosseguindo nos próximos anos a mesma lógica de austeridade adoptada até aqui.
  • Como consta do Documento de Estratégia Orçamental para 2014-2018, recentemente aprovado, a coligação de direita propõe-se forçar a existência persistente de saldos orçamentais nunca anteriormente alcançados pelo Estado português e apenas pontualmente verificados noutros países em situações semelhantes.
  • Ao mesmo tempo, a coligação PSD/CDS pretende equilibrar as contas externas portuguesas através da repressão do consumo e do investimento e da redução dos salários.
  • O resultado desta estratégia, se fosse implementada, seria um prolongamento por muitos anos da destruição de emprego e da emigração forçada, de um crescimento económico anémico, da perda de poder de compra dos salários e pensões, do desmantelamento progressivo do Estado Social e da redução dos direitos sociais e laborais.
  • Ou seja: a estratégia que a coligação PSD/CDS se propõe prosseguir assenta na ideia de que será possível reduzir os desequilíbrios orçamental e externo do país apostando numa sociedade cada vez mais pobre e mais desigual.
  • No entanto, esta estratégia não assegura nem a sustentabilidade da dívida pública, nem a redução da dívida externa. Só com base em hipóteses irrealistas se pode antecipar que uma redução sustentável dos desequilíbrios macroeconómicos do país se obtém através de um regime de austeridade permanente.
  • Para a direita portuguesa pouco importa se a estratégia prevista é ou não realista. Na perspectiva do actual governo e dos interesses que ele representa, a crise em que vivemos constitui uma oportunidade singular para imporem ao país o modelo de sociedade que sempre ambicionaram, mas que nunca conseguiram fazer vingar em condições de funcionamento normal da democracia.

É importante percebermos que a situação actual nos impõe escolhas difíceis

  • Os objectivos estabelecidos no Documento de Estratégia Orçamental para 2014-2018 não constituem apenas uma opção deste governo.
  • Na verdade, aquele documento não faz mais do que identificar o nível de austeridade que o próximo governo irá impor ao país se acatar o que está previsto no Tratado Orçamental e na ausência de uma reestruturação significativa da dívida pública.
  • Usando a linguagem do Banco de Portugal, “Não obstante o esforço de consolidação orçamental nos últimos três anos, o ajustamento das contas públicas ainda não está concluído. (…) As estimativas obtidas [continuo a citar] apontam para a necessidade de um ajustamento adicional da ordem de quatro pontos percentuais do PIB até 2019 [ou seja, quase 7 mil M€], o que corresponde a cerca de metade do esforço orçamental no período 2011-2013”.
  • E este é o cenário optimista, aquele que assume que a economia Portuguesa – devastada como está, endividada como está, sem investimento, sem sectores avançados, tendo destruindo competências através do desemprego de longa duração, perdendo quadros qualificados para a emigração – conseguirá crescer nos próximos anos a ritmos que não se registam desde o século passado.
  • Sejamos claros: qualquer governo que insista em seguir à letra as regras orçamentais actualmente em vigor na UE e que insista em não questionar os termos dos compromissos assumidos com os credores, estará na prática a comprometer-se com o desmantelamento progressivo do Estado Social e com o prolongamento da crise.
  • Um governo que esteja empenhado em preservar os elementos fundamentais de uma sociedade decente em Portugal, tem de estar preparado para desencadear o processo de renegociação da dívida pública e de revisão das regras orçamentais em vigor na UE.
  • Esse governo tem também de estar disposto a incumprir as regras vigentes na UE, caso tal venha a revelar-se necessário, tendo em vista a libertação de recursos para a preservação dos serviços públicos essenciais e para a condução de políticas favoráveis à criação de emprego.
  • Com a noção dos riscos e dos constrangimentos que enfrentamos. Com uma preocupação permanente com a gestão responsável do aparelho de Estado, dos serviços públicos e do sistema fiscal.
  • Precisamos de um governo que se empenhe em assegurar a sustentabilidade a prazo das contas públicas, não porque aceite como inevitável a destruição de um Estado Social universal e solidário, mas porque está decidido a lutar por ele.

É por isto que é urgente uma postura de compromisso e de determinação

  • Há quem simplesmente aceite como irreversível o retrocesso civilizacional a que as lideranças europeias e o actual governo parecem querer condenar-nos.
  • Outros optam pela estratégia da avestruz: falam o mínimo possível das dificuldades que enfrentamos e esperaram que instâncias superiores resolvam os problemas que são nossos.
  • Outros ainda limitam-se a reconhecer e denunciar os constrangimentos, assumindo a sua impotência para mudar o presente. E não é para menos: o presente é mesmo difícil de mudar.
  • Num contexto marcado por constrangimentos tão fortes, assumir as dificuldades que temos pela frente sem desistir de as enfrentar é a atitude mais difícil.
  • Mas nós não temos o direito de desistir. É para isto que aqui estamos. Disponíveis para os compromissos que permitam estancar e reverter a delapidação do bem-comum. Determinados em fazer do exercício do poder democrático mais do que uma mera alternância entre quem aceita que a história é sempre feita por outros.
  • Em momentos como o actual é preciso recuperar as palavras escritas por Scott Fitzgerald nos catastróficos anos 30 do século passado e afirmar:

“Temos de ser capazes de reconhecer que a situação é desesperada e ainda assim estar determinados em transformá-la.”

  • Se é este o objectivo, então vale a pena arriscar.
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“Queremos ser parte da solução” – Daniel Oliveira

Intervenção do Daniel Oliveira na sessão pública “Por uma Governação Decente”

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“Há quem diga, da vontade que temos em responder à rápida decadência deste país, que estamos com demasiada pressa.

Todos os dias saem deste país 270 pessoas. Sim, estou com pressa. Dessas, 200 têm menos de 35 anos e muitas delas qualificadas. Claro que temos pressa. Um em cada cinco dos portugueses estão desempregados ou aquilo a que o governo chama de “ocupados”. Claro que tenho pressa. Todos os diais, 28 famílias e 35 empresas declaram falência. Tenho pressa. Um fanático faz a escola pública ir regressando ao tempo em que ensinava a ler, a contar e a não pensar. Por isso tenho pressa. Os melhores médicos vão abandonando o Serviço Nacional de Saúde para trabalhar no privado, com o risco dos hospitais públicos se transformarem num refugo para quem não tem dinheiro. Temos muita pressa. Cada vez menos gente confia na segurança social para a sua velhice. Temos pressa. O sistema fiscal produz cada vez mais injustiças, rebentando com o contrato social que sustenta a nossa democracia. E nós temos pressa.

Mas a principal razão pela qual temos pressa é que o País pode habituar-se a viver assim.

Mas esta urgência, esta pressa, não impede de ter horizontes.

O nosso horizonte é uma saúde pública, uma escola pública, transportes públicos, sistema de pensões públicos (não devemos ter vergonha da palavra “público”), de qualidade e garantidos essencialmente pelo Estado de forma sustentada. São políticas públicas que promovam a coesão social e territorial. É o pleno emprego como objetivo central da economia. 15% de desemprego (18%, se falarmos de desemprego real) não é um problema. É um país que falhou em tudo. São leis laborais que desequilibrem a balança para o lado mais frágil. São políticas fiscais progressivas, que para além de cobrirem as despesas do Estado cumpram a função de redistribuir a riqueza. É aí, nos impostos, que isso se faz, recusando a demagogia fácil da dupla tributação. É um poder político realmente independente do poder financeiro, acabando com este deprimente saltitar do ministério para o banco, do banco para ministério, da autarquia para a empresa de construção civil, da construtura para o Ministério. E são políticas económicas que sustentem este país que desejamos.

Mas para lutar por isto não basta desejar muito ou apenas resistir. É preciso caminhar. E sobretudo, é preciso travar já o recuo civilizacional a que estamos a assistir. Travar já e reverter a destruição do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, dos transportes e do sistema de pensões e reformas. Travar já e reverter a perda de rendimentos dos trabalhadores. Travar já e reverter o desemprego e o seu parente próximo – o trabalho precário. Travar já e reverter a desregulação das relações laborais que está a transformar o mercado de trabalho na lei da selva. Travar já e reverter a emigração. Mas acima de tudo, não mentir mais às pessoas. Não é possível defender o que queremos defender, pagar a dívida tal e qual ela está e cumprir as metas do tratado orçamental. É preciso fazer escolhas difíceis.

Não queremos recuar um pouco menos do que a direita nos propõe. Queremos travar já e reverter este recuo. E para, lamento dizê-lo, isso já vamos chegar tarde. Não é hora para acumular forças e esperar por melhores dias. é hora de agir.

E para agira é necessário construir um compromisso entre as forças que queiram defender o Estado Social. Os compromissos negoceiam-se. E só se negoceia com quem pensa de forma diferente de nossa.

Há quem diga, ainda assim, que quem está disponível para o compromisso quer apenas o mal menor. Do bem maior, pelo menos para quem é crente, trata a religião. A política sempre tratou do mal menor. Se o mundo fosse como eu o sonho, se tivéssemos conseguido o bem melhor, não precisávamos de impostos para redistribuir uma riqueza que estaria bem distribuída. Não precisávamos de leis laborais para impedir o abuso. Nem de subsídio de desemprego, pois o desemprego não existiria. Talvez nem precisássemos de Escola Pública ou Serviço Nacional de Saúde. Este foi o mal menor pelo qual muitas gerações lutaram. É este o mal menor que queremos defender.

Sei que o compromisso não será nada fácil. Não ignoro as enormes responsabilidades do PS no estado em que estamos. Não ignoro as enormes responsabilidades dos partidos socialistas europeus pelo estado em que está a Europa. Não ignoro as costumeiras cedências dos governantes do centro-esquerda à agenda oposta à que deviam defender. Não ignoro as promiscuidades com interesses privados, tão evidente, quer no PS quer no PSD, no BES. E tenho observado namoro indecoroso entre António Costa e Rui Rio, que só prova ainda mais a urgência da nossa ação. Mas também não ignoro que o mais provável, se nada fizermos, é que tudo continue na mesma. Na realidade, não ficará na mesma. O país que continuará a esvaziar-se de pessoas, de futuro e de esperança.

E para travar e reverter esta decadência nacional que é necessária uma plataforma política eleitoral dos que, à esquerda de quem tem governado, estão dispostos a dar a uma resposta ao apelo de urgência que ouvimos em todo o lado. Estão dispostos a dizer: sim, queremos ser parte da solução. Não será grande consolo, mas o que posso dizer agora é que contam comigo. Como todos vocês, estou com pressa”.

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Sessão pública “Para uma Governação Decente”

Compromisso e determinação

Um momento de urgência como o atual exige a construção de um programa que impeça o desmantelamento do Estado Social e de uma plataforma política disposta a participar na governação. É neste âmbito que surge o evento promovido pela Associação Fórum Manifesto. Convidamos cinco intervenientes dispostos a participarem neste debate essencial.

Quarta-feira, dia 23 de Julho, às 18, na Casa da Imprensa

Evento no Facebook: https://www.facebook.com/events/1438350069776526/

Morada: Rua Horta Seca, 20, Lisboa (ao lado dos CTT do Largo Camões).

Metro Baixa-Chiado, linha verde e azul.

Com:

Ana Drago (socióloga e ex-deputada)

Daniel Oliveira (jornalista)

Filipa Vala (bióloga)

José Reis (professor universitário em Coimbra e participante no Congresso Democrático das Alternativas)

Ricardo Paes Mamede (professor universitário em Lisboa e promotor do Manifesto 3D)

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Resolução política aprovada na Assembleia Geral

FÓRUM MANIFESTO – ASSEMBLEIA GERAL

12 Julho 2014

  1. Decorridos três anos da assinatura do Memorando de Entendimento, Portugal encontra-se hoje mais pobre, desigual e vulnerável. Sujeito a constrangimentos profundos, que decorrem do próprio «ajustamento», do garrote da dívida e do quadro de imposições externas, paira sobre o país a ameaça de um processo de aprofundamento continuado da atual regressão económica, social e política. Chamadas a responder a este momento crucial da nossa história, com as próximas eleições legislativas já no horizonte, as esquerdas têm revelado uma persistente incapacidade para romper com o bloqueio em que se encontram, seja pela dificuldade de encontrar soluções alternativas, credíveis e viáveis à trajetória da austeridade, seja pela dificuldade em constituir plataformas comuns de entendimento e compromisso entre elas.
  2. As derrotas consecutivas que o BE acumulou nos últimos anos, e que o conduziram à magra expressão eleitoral obtida nas últimas eleições europeias, não são um reflexo de factores externos. São fruto da acumulação de erros não corrigidos, inscritos numa orientação política que divorciou crescentemente o BE do seu potencial eleitorado. Perante a opinião pública, o Bloco vincou, ao longo dos últimos anos, a imagem de um partido cada vez mais virado sobre si próprio, indisponível para o diálogo e para a convergência com outras forças políticas à esquerda; centrado no protesto, e por isso indisponível para estabelecer compromissos efetivos de governação; revelando uma insuficiente, inconsistente e até, por vezes, contraditória construção programática. Isto é, um partido que surge aos olhos dos cidadãos como incapaz de responder, com realismo, credibilidade e determinação, aos problemas e desafios com que o país se confronta de forma dramática e urgente.
  3. Quando a Política XXI, que viria posteriormente a converter-se na Associação Fórum Manifesto, ajudou a fundar o Bloco de Esquerda, fê-lo na convicção de que este partido seria a força necessária para quebrar o bloqueio então existente, entre um PS alinhado com o centro político e um PCP indisponível para a governação. Na sua génese, o Bloco assume pois, como compromisso matricial, o papel da construção de pontes e do fomento do diálogo entre as esquerdas, procurando nesses termos estimular um processo comum de renovação programática, capaz de superar os bloqueios gerados pela crise da social-democracia e pela queda do muro de Berlim. Passada quase década e meia da sua existência, constata-se porém o abandono consciente e reiteradamente afirmado nos últimos anos da missão política em que assentou a criação do Bloco de Esquerda. Por isso, a Manifesto considera esgotada a sua participação enquanto corrente fundadora do Bloco, decidindo assim pela sua desvinculação a este projeto político. Embora, tal como até aqui, esta decisão não vincule cada um dos seus ativistas, que são livres de permanecer, ou não, como aderentes do Bloco de Esquerda.
  4. A superação do impasse em que a esquerda se encontra, imprescindível para a construção de soluções e propostas capazes de devolver a esperança ao país, requer que seja retomada a vontade de construir, com todos os que estejam para tal disponíveis, uma alternativa urgente que assegure a defesa do país, do seu desenvolvimento, da democracia e dos direitos sociais. Tendo como ponto de partida uma postura de diálogo e disponibilidade para estabelecer compromissos, a Manifesto entende ser necessário desenvolver outros espaços de intervenção política, capazes de contribuir para a formação de convergências fortes e credíveis à esquerda do PS, com claros objetivos de influenciar a governação do País neste momento de urgência nacional. Decide assim promover, ao longo dos próximos meses, iniciativas concretas nesse sentido, tendo como horizonte imediato as próximas eleições Legislativas, previstas para 2015. O Conselho Geral da Associação Fórum Manifesto fica mandatado para desenvolver estes esforços, cabendo a uma próxima Assembleia Geral a discussão e deliberação acerca dos seus resultados.

Aprovado por maioria.

 

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Guião Político para as Europeias 2014

Um guião político para as Europeias de 2014 de Alexandre Abreu, João Rodrigues e Nuno Teles

“Um guião para um debate informado

O guião político para as Europeias de 2014, escrito pelo Alexandre Abreu, pelo João Rodrigues e por mim, pretende intervir no debate sobre a questão nacional, socioeconómica e política, mais importante – a europeia – e sobre a estratégia da esquerda que não desiste para as eleições do próximo ano. Sendo escrito por quem tem e toma partido, intervém numa discussão ampla para convergências tão amplas quanto possível. Ideias centrais: a campanha de uma força de esquerda que queira ser portadora de um projeto de esperança para os que aqui vivem tem de saber articular três grandes linhas – desobediência e recusa das perdas passadas e futuras de soberania, renegociação da dívida e exigência de saída do Euro…” (Nuno Teles, in Ladrões de bicicletas, 25/11/2013)

 

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Portugal na Encruzilhada das Eleições Europeias

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Portugal na Encruzilhada das Eleições Europeias

Crise, austeridade e moeada única

(texto aprovado na Assembleia Geral de dia 1 de dezembro do Fórum Manifesto)

O processo de integração de Portugal na chamada construção europeia foi sempre o debate central da jovem democracia portuguesa. A sua ancoragem ao projecto europeu traduziu-se, logo após o PREC, numa escolha política clara: a da inscrição de Portugal no quadro das democracias ocidentais, cujo sentido europeísta marcou o discurso da maioria das forças partidárias nacionais ao longo de mais de trinta anos. Fosse pelo desempenho económico dos países do centro europeu, fosse pelos seus índices de bem-estar e redistribuição, ou fosse ainda pelo significado dos novos direitos nesses países, a «vocação europeia» da política portuguesa – da esquerda à direita – marcou fortemente a identidade democrática do país. Nesse sentido, e uma vez resolvida a configuração do regime, a Europa passou a ser o centro do projecto político nacional.

Não foi por acaso que as coisas assim aconteceram. Uma vez «perdidas as colónias» – e confrontada com o tempo de estruturação da internacionalização das economias – a percepção da dificuldade de inserção do país num qualquer outro espaço de articulação transnacional agregou segmentos muito distintos da sociedade, tornando Portugal (antes da dita «crise das dívidas soberanas»), num dos países mais entusiastas do projecto europeu. Ao que acresce a experiência de melhoria dos níveis de vida no contexto da pertença à UE, o reconhecimento da tradição europeia na criação de bem-estar e na salvaguarda de direitos, ou o impacto dos próprios fundos europeus na modernização do país. Talvez tenham sido as expectativas criadas que, de algum modo, não tenham permitido pressentir, clarificar e tomar atempadamente posição face à orientação que o projecto europeu passou a assumir desde o início dos anos noventa.

É certo que a construção europeia, nascida no pós-guerra, surgiu por contraposição ao Bloco de Leste. Quando o Muro cai, a Europa triunfa – e a reunificação alemã sela esse triunfo. Mas, aparentemente, o fim da Guerra Fria deixa a Europa sem um projecto político definidor – um «oponente» que lhe confira identidade. E é sobretudo a partir dos anos noventa que a redefinição da política europeia se faz, em torno dos mercados e da globalização financeira. Como é em torno dessa agenda – assente na liberdade de movimentos para o capital e mercadorias – que a Europa se redefine enquanto entidade política criadora de um monumental mercado interno: o tempo do Mercado Único Europeu e da emergência do projecto da moeda única.

No campo político, o Tratado de Maastricht consagra essa metamorfose – e em Portugal, à excepção do PCP, esses são os tempos de euforia da pertença à UE. E, contudo, é bom lembrar as dificuldades sentidas em França aquando do referendo em 1992 sobre o Tratado de Maastricht, que é talvez o primeiro sinal de desacerto entre as elites governantes e os seus povos na construção europeia. A partir daqui não haverá paz nas consultas nacionais sobre o projecto europeu: a crise de legitimação pairará para sempre, como um espectro, sobre a União.

*****

Servem estes parágrafos para dar conta de onde estamos. Dito de outro modo: o Memorando de Entendimento com a Troika em Portugal é um resultado dessa nova identidade da Europa, unicamente assente num projecto de mercado europeu e da moeda europeia. O Memorando, isto é a austeridade como política transnacional permanente no espaço da União – que opõe as economias fortes do Norte às várias periferias a «Sul» – é não só o resultado do impasse do «projecto mercado» na construção da Europa, como alimenta esse mesmo impasse, ao negar uma solução política fora do próprio paradigma do «projecto mercado».

A crise que vivemos conjuga pois dois colossais falhanços desse projecto, iniciado nos anos noventa. O primeiro falhanço, que parece já esquecido, tornou-se patente com a crise financeira de 2008, criada pelos «mercados» financeiros especulativos, libertos de mecanismos de regulação. Dessa crise poder-se-ia ter retirado uma conclusão semelhante à crise de 1929: ambas são o resultado do próprio mercado funcionar e não o seu contrário. E é justamente por isso que a política tem que tutelar os arranjos «naturais» do mercado.

O segundo falhanço é o Euro, na sua arquitectura disfuncional. Concebido como moeda única para economias profundamente díspares – e desprovido de mecanismos políticos de intervenção económica e monetária capazes de permitir a correcção das assimetrias existentes – a sua crise apenas esperava pela oportunidade de se manifestar. Antes ainda da questão das «dívidas soberanas», as dificuldades deste modelo de moeda única estavam já patentes na estagnação larvar de uma década de vida do Euro, que resultou em Portugal na chamada «década perdida», marcada pelo crescimento anémico da economia nacional. Com os impactos da crise financeira internacional de 2008 sobre as contas públicas, os efeitos da adesão ao euro (e de todos os choques a que foi sujeita a economia portuguesa), manifestaram-se em todo o seu esplendor, sob a forma de uma aparente «crise da dívida soberana».

O Memorando de Entendimento imposto a Portugal a 17 de Maio de 2011 nasce assim da sobreposição destas duas crises do «projecto mercado»: a da voragem da actividade especulativa, no pós-2008, em torno das dívidas soberanas; e, indissociável deste primeiro factor, a crise da arquitectura institucional do Euro, que deliberadamente inibe a actuação do Banco Central, impedindo-o de adoptar mecanismos de correcção de assimetrias entre economias da zona euro, não sobrando projecto político para lá da integração através do mercado.

Três anos passados desde o início da intervenção da Troika na Grécia, não resta hoje qualquer dúvida de que a Alemanha, interessada em se afirmar como principal potência no espaço europeu, não tem propriamente interesse em enveredar por uma integração política que pressuponha a alteração do modelo de governação da moeda única. Se o «projecto mercado» da Europa falhou, isso não significa que a Alemanha esteja disposta a propor ou seguir qualquer outro modelo de integração.

A prová-lo está o discurso moralista sobre o desempenho económico dos povos do Sul, que é hoje linguagem corriqueira da maior parte dos responsáveis alemães e europeus, e que é aliás a primeira razão apontada para reforçar a política de austeridade como mecanismo punitivo duradouro sobre os povos do Sul. Para quem aguardava pelas eleições alemãs de Setembro de 2013, que permitiriam a Merkel dar início a uma nova abordagem na crise europeia, os resultados estão à vista: nem mesmo a entrada do SPD para a coligação de governo alterará a política de sangramento das democracias do Sul. Pelo contrário, a opinião pública alemã parece cada vez menos disponível para uma inversão de lógica política.

A questão das dívidas dos países do Sul assumiu assim a sua natureza de processo essencialmente político: as medidas impostas ao longo destes três anos tornaram claro que não se trata de criar condições para a sua eventual amortização. A história recente da Grécia e de Portugal mostra que o centro da Europa está disposto a dizimar países e economias apenas e só para sossegar os mercados financeiros. Não para reestruturar economias, ou sequer para pagar a dívida. Aliás, todos sabem que ela é impagável. Mas não é isso que interessa. As nuvens escuras adensam-se sobre o projecto europeu.

1. A política da austeridade como o PREC da direita

Em Portugal, o contexto do Memorando deu aos sectores mais ortodoxos a oportunidade que há muito esperavam. À boleia da austeridade imposta pela Troika, a direita inicia um processo de subversão do contrato social em que se funda o regime democrático português.

É certo que esse era já o projecto do grupo político que se reuniu em torno de Pedro Passos Coelho e de Carlos Moedas, e que conquistou a direcção política do PSD. Antes mesmo do agravamento da crise e da assinatura do Memorando, Passos Coelho apresentou o seu projecto de revisão constitucional: fim da proibição constitucional do despedimento sem justa causa; introdução de co-pagamentos na saúde e educação; e concessão do serviço público de ensino a privados. A par destas propostas, Passos Coelho afirmou-se como líder da oposição, clamando contra um modelo social que assentava em «prestações sociais demasiado generosas», e pelas proposta, que fez votar na AR, de tributo solidário (obrigando os desempregados a trabalhar em troca do subsídio de desemprego), de validação de contratos verbais de trabalho e do alargamento da extensão dos contratos a prazo. Ou seja, mesmo antes da assinatura do Memorando, a proposta política deste sector do PSD era já a do corte com o modelo de Estado Social consagrado na Constituição: enfraquecimento dos direitos laborais, corte nas prestações sociais, concessão de serviço público a privados, restrição dos direitos sociais.

O Memorando permitiu a imposição desta agenda. O Memorando dá aliás o mote e justifica o processo de brutal de «ajustamento interno»: reganhar competitividade no quadro da moeda única por via dos cortes nos salários directos e indirectos (prestações sociais e serviços públicos de educação e saúde).

Num primeiro momento, o Memorando foi usado pela direita para criar um estado de excepção: foi esse o argumento usado em relação aos acórdãos do Tribunal Constitucional no que toca a cortes salariais e nas pensões. Hoje, o discurso é mais claro: é necessário refundar o regime, redesenhando os termos do contrato social em que o mesmo se estabelece.

A tese de que o «ajustamento interno» potenciará uma competitividade renovada da economia portuguesa na zona euro mostra a sua falsidade a cada trimestre. É por isso que o sustentáculo desta política não é o seu sucesso, mas antes dois pilares distintos, que se articulam mutuamente. O primeiro, relativo ao bloqueio institucional da maioria parlamentar e do Presidente da República, é sustentado por estes e pelos sectores financeiros, os mesmos que fizeram este Verão Paulo Portas recuar na sua saída do Governo. O segundo sustentáculo é o do próprio desemprego, que demonstra claramente que a política da direita funciona alicerçada pelo medo: o medo da ingovernabilidade, o medo da catástrofe social e económica, o pavor de um contexto de ruptura com a Europa e com o modelo europeu. Medos que não devem ser desprezados.

2. Um novo debate sobre Europa

No contexto das eleições europeias de 2014, o debate português sobre a Europa sofre uma alteração radical face a anteriores enquadramentos de escolha política. Á luz de dois anos de imposição do Memorando de Entendimento, a centralidade do debate europeu na sociedade portuguesa mantém-se, mas assume hoje uma configuração radicalmente diferente. De súbito, a Europa já não surge publicamente como um espaço de modernização social e de desenvolvimento da economia portuguesa. Pelo contrário, é o actor principal de um processo de brutal desvalorização dos rendimentos, de retrocesso de direitos sociais e laborais e de destruição do tecido económico.

Esta alteração na percepção do projecto europeu cria clivagens novas na política portuguesa. Sectores económicos e políticos relevantes, do centro político, compreendem bem a perspectiva de austeridade eterna, tornada política oficial europeia, e dão voz ao mal-estar de amplos segmentos, fortemente atingidos pelas políticas de austeridade: classes médias, pensionistas, trabalhadores do Estado e sectores da burguesia que dependem do mercado interno.

Algumas das mais fortes dinâmicas de protesto contra o Governo vieram da reacção destes sectores: é o caso da manifestação de 15 de Setembro, que contou com forte presença da classe média um pouco por todo o país, e que, por isso mesmo, derrotou a proposta de alteração da TSU; é o caso de figuras relevantes da área do PSD (e até do CDS/PP) que confrontam abertamente o Governo.

Além disso, a crise da dívida coloca, como vimos, questões mais abrangentes: dos efeitos da adesão ao Euro numa economia periférica, como a portuguesa, aos impactos da internacionalização das economias em sectores tradicionais que foram subitamente expostos a uma concorrência acrescida (como é o caso dos têxteis, vestuário e calçado). E ao que se soma, nas duas últimas décadas do século passado, o processo de desregulamentação do sector financeiro e de liberalização do movimento de capitais, no âmbito da preparação do ingresso no projecto de união económica e monetária (UEM).

3. A esquerda no novo debate da Europa da austeridade

No quadro político, dois anos de memorando saldaram-se em dificuldades acrescidas na articulação de forças partidárias à esquerda.

O Partido Socialista enveredou por um discurso ilusório, o de que seria possível aplicar «melhor», mais suavemente, o Memorando de Entendimento. Mas ficou enredado e refém das suas próprias contradições: a defesa do Estado Social, que o PS jura defender, é impossível no quadro do Tratado Orçamental que o mesmo PS votou favoravelmente. As declarações de Seguro, e a negociação que fez com o Governo para um eventual acordo de salvação nacional, mostram que a actual direcção do PS considera ser possível «modelar» as políticas de austeridade. Ou seja, que a questão de fundo é apenas a do grau, a da «dose» de austeridade.

O PCP, por seu turno, parece capitalizar em simpatia e votos o seu discurso de defesa nacional das imposições europeias, que no presente contexto assume uma nova acutilância. Mas mantém-se totalmente indisponível para qualquer articulação política com outras forças de esquerda. Nesse sentido, o PCP guarda os seus votos e as suas forças enquanto espaço confinado a uma resistencia identitária e de protesto de sectores populares fortemente atingidos pelas políticas europeias, mas sem perspectivas de alguma vez usar essa força para fazer política.

Já o Bloco enfrenta dificuldades que não seriam expectáveis no quadro actual. O esforço na ação unitária não tem correspondência no alargamento da sua influência. As recentes eleições autárquicas, apesar de repetirem os tradicionais débeis resultados do partido nesses sufrágios, mostraram a reduzida atractividade do BE no presente contexto. As hipóteses alimentadas por sectores da maioria do Bloco, de que seria previsível uma evolução política em Portugal que guindasse o partido a uma posição semelhante ao Syriza, na Grécia, não se confirmaram. E a proposta da renegocição, abatimento e moratória da dívida – e de uma ruptura com a troika, que tem sido a principal resposta política do Bloco – têm colocado crescentemente o partido perante a questão da eventual saída do Euro. E nesta matéria as respostas dadas ou são pouco credíveis ou pouco mobilizadoras.

O actual quadro político é pois muito complexo. Mas há, contudo, movimentos e plataformas novas que têm surgido e que procuram fazer um debate aprofundado, quer sobre os contornos da crise e do ataque ao regime, quer sobre a questão europeia. Movimentos de cidadãos como o «Que se Lixe Troika»; de pensionistas, como o APRE; da «Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida»;  os encontros promovidos por Mário Soares ou o «Congresso Democrático das Alternativas», têm lançado debates e mobilizado importantes sectores sociais. A articulação em torno de um projecto de defesa do país – da sociedade portuguesa como democracia social – mostra por isso, cada vez mais, a sua pertinência.

A democracia portuguesa fundou-se sobre dois pilares – o das liberdades políticas e o dos direitos sociais – que permitiram a sua legitimação política e o seu enraizamento social e cultural. A própria vocação europeia da democracia portuguesa sustentou-se na desejabilidade e expectativa dos padrões de desenvolvimento e bem-estar do modelo social europeu no século XX. Esse paradigma está hoje, contudo, a ser destruído. Os riscos do processo político que estamos a viver são, portanto, imensos. O contexto político que, nos anos setenta, permitiu a construção da democracia portuguesa, enquanto articulação entre liberdades políticas e direitos sociais, não é facilmente recuperável.

4. Entre a defesa do país e a solidariedade europeia

É possível mantermo-nos a meio da ponte, entre a soberania nacional e o federalismo europeu, sem destruir todas as bases da democracia? E permitindo assim que agendas sem apoio popular e sem legitimidade democrática se continuem a impor, à margem da vontade dos povos, incluindo nela a vontade dos portugueses? Se concluirmos, como só podemos concluir, que apenas a soberania nacional ou um federalismo democrático na Europa podem defender a democracia, então teremos que fazer escolhas. Será avisado defender mais transferências de poder para instituições supranacionais conhecendo, como conhecemos, a adversa correlação de forças sociais e políticas na Europa? Não seria essa opção um suicídio, como o foi o passo em frente na construção da moeda única?

Esta opção significa assumir, de forma plena e de princípio, todas as consequências que se associam a um processo negocial com a Troika, incluindo a saída do euro. Mais: apenas assumindo a disposição para ir até às últimas consequências, em resultado de uma convicção consciente e firme sobre a impossibilidade de permanecer num sistema monetário que apenas nos destina a um empobrecimento sem fim, qualquer negociação poderá comportar margens de sucesso.

É esse o problema que se coloca em relação ao euro. O euro é, no actual quadro de correlação de forças políticas, irreformável: correspondeu e continuará necessariamente a corresponder à construção de um fosso intransponível entre centro e periferia europeia, que obrigará a um processo de subdesenvolvimento das economias mais fracas da União. E é justo afirmar que, mesmo que muito mudasse em Portugal e na Europa – e era preciso que muito mudasse em Portugal e na Europa – não há, dentro do euro, futuro para um crescimento económico do país que seja socialmente sustentável.

No entanto, a saída de Portugal do euro, seja como projecto alternativo para vencer as causas estruturais desta crise, seja como consequência indesejada de um verdadeiro processo negocial com os credores, não está isenta de enormes riscos. A começar pelos riscos políticos. Não podemos ser realistas quando constatamos os enormes bloqueios políticos e económicos da Europa e sermos ao mesmo tempo utópicos quando projectamos uma determinada proposta no plano nacional, como se o país fosse uma folha em branco e um futuro governo nascesse no váacuo e correspondesse apenas aos nossos desejos. Não existe uma maioria social que suporte a escolha de sair do euro. Não há aliança política de poder que se possa fazer em torno dessa solução. Ou seja, independentemente da sua justeza (e até do seu realismo, numa perspectiva estritamente económica), ela isola os seus defensores numa minoria que até poderá vir a ter peso político, mas que cria neste momento – entre si mesma e os seus aliados naturais, à esquerda – um fosso cada vez mais intransponível, atirando a solução para as mãos dos defensores do europeísmo acrítico que nos trouxe até aqui.

Resta, à nossa esquerda, uma saída com a qual ela sempre viveu com dificuldade: o compromisso. E esse compromisso centra-se num conjunto de mínimos denominadores comuns, aceitáveis por todos:

1. A assunção de que mesmo que houvesse uma solução da crise para breve, o euro continuaria a ser um dos principais problemas económicos do país e é nessa perspectiva que ele deve ser tratado e encarado;

2. Que assumindo todos os riscos desta posição, não acreditamos que nenhuma solução democrática para sair desta crise deva ser tratada como um tabu;

3. Que a integração Europeia só pode dar novos passos na condição de esses mesmos passos estarem subordinados tanto a uma maior democratização da União, quanto à soberania democrática dos povos, não podendo corresponder a mais perdas de poder relativo dos países periféricos na Europa;

4. Que Portugal tem, pelas suas condições económicas e históricas, interesses próprios. Interesses de que a esquerda não abdica, tendo em conta a enorme fragilidade em que se encontra o seu povo e os seus trabalhadores, e a imperiosa necessidade e urgência de os defender;

5. Que a defesa da democracia e do Estado Social portugueses são a prioridade da esquerda, a condição sine qua non de qualquer forma de europeísmo e assumindo mesmo que a própria ideia de europeísmo só é válida para nós na medida em que constitua um instrumento de ampliação de liberdades cívicas, de direitos sociais e de desenvolvimento económico.

Em suma: a esquerda em que nos integramos não pode, porque não tem condições para tanto, resolver o impasse em que toda a Europa e, em particular, o impasse em que os seus países periféricos se encontram. Pode apenas, porque é isso que as suas forças e a situação actual permitem, definir os limites do debate e, com isso, priorizar as alianças que pretende fazer. E elas são, em última análise, pelo menos neste momento, com todos os patriotas democratas. Se a situação económica e política permitir que o debate evolua no sentido de uma maior clarificação política, as portas não devem estar fechadas. Mas vivemos num tempo de juntar forças e de procurar as mais amplas alianças, e não num momento de dividir águas, que apenas enfraquece o campo de contestação à austeridade.

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Universidade de Verão: Informações Práticas

ha vida pra alem euro

INFORMAÇÕES PRÁTICAS!

1 – Participação: Entrada Livre, limitada a 60 inscrições

2 – Inscrição obrigatória para: forumanifesto.pt@gmail.com

Na inscrição deverás indicar:

a) Nome + contacto
b) Estadia (1 noite com P.A.):
Preço normal: 20€ preço normal? Sim_ Não_
Preço p/jovens e estudantes? Sim_ Não_
Preço de apoio: €€€? Sim_ Não_
c) Almoço de sábado na Pousada da Juventude (recomendamos que almocem na Pousada para que não haja atrasos nos painéis)? Sim_ Não_
d) Queres participar no sábado num jantar de encerramento? Sim_ Não_
e) Precisas/Ofereces deslocação para a Pousada da Juventude de Almada? Sim_ Não_ (se Sim, indica por favor telemóvel e cidade).

NOTA: Recomenda-se aos participantes que na sexta-feira à noite já tenham jantado antes do debate pois não haverá bar aberto na Pousada a essa hora.

COMO CHEGAR:

Autocarro:
Lisboa Praça de Espanha: n.º 152; Areeiro: n.º 153; Cidade Universitária: n.º 176 – saída: praça da portagem – 10 minutos a pé até à Pousada.
Porto (326 Km), Faro (294 Km): Rede Expressos até Almada
Comboio:
Lisboa: saída: Pragal (1.5 Kms) – qualquer autocarro (saída: Hospital)
Porto (Campanhã): saída Lisboa – Sta. Apolónia – apanhar o barco
Barco:
Lisboa: apanhar no Cais do Sodré – saída: Cacilhas – Autocarro n.º 101- saída: Pragal
Carro:
Porto: A1 e Faro: A2 até Lisboa – IC20 (Costa da Caparica) – saída: Hospital – Rotunda: 3ª saída, seguir indicações Pousada de Juventude de Almada